quarta-feira, 30 de julho de 2008

O vestido

O vestido ainda pendurado no cabide. Sem estréia, me lembra o seu destino. De usá-lo para trazer prosperidade no ano que se aproximava. Mas ele permanece ali, pelo avesso para que os dias não o envelheçam, para que se mantenha novo para um próximo ano. Ainda com etiqueta e cheiro de novo, ocupa o espaço físico, porque o emotivo não lhe pertence mais. Não é dor, não é saudade. É esperança. Assim como a esperança que o trouxe para o armário. Não há pressa. Os dias sempre vêem novos e prometem a aurora que a ele lhe pertence. Está ali, guardado, sempre à espreita de vestir o corpo para o qual foi pensado.

Não é vestido de uma outra dona como o de Drumond (Caso do vestido). É um vestido vivo da cor de ouro para vestir um corpo morno, de pele alva, sem decote, com o qual sugere, não devassa. Não é peça de luxo e tampouco é lembrança. Há, sim, um vestido, não escondido, mas guardado, assim como o seu motivo guardado para ser vestido.

domingo, 27 de julho de 2008

Brincando com Hai Kais

Eu sou assim
Você é assado
Nós estamos fritos

Pele arrepia
Inverno maltrata
Nada alivia

Travesseiro colado
Corpo distante
Sonho acordado

Sinto seu tato
Durmo colado
Sonho de fato

Barco desliza
Água se afunda
Leve na brisa

Jogo flores
Intensos amores
Sem dores

Uma borboleta
Um escafandro
Mesma silhueta

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Selva aqui dentro II

Em menos de uma semana, em exatos cinco dias de disponibilidade, curiosidade e paixão, termino a leitura de um romance de mais de duzentas páginas. Ao fim, não repito a questão que deixei em texto anterior. Não desejo especular se aquilo tudo ocorreu na realidade ou não. Seria, no mínimo, indiscreto e inútil sabê-lo.

O que me ocorreu, surpreendentemente, foi a transposição da história para a minha vida ou a inversão da realidade para papéis que não escrevi. Fui Adriano Pontes, fui Lana Martins. Agora não me vejo como aqueles cidadãos que abordam atores e atrizes nas ruas. Vi-me nos personagens e questiono se todo leitor e/ou espectador se vêem nas páginas e tela à sua frente?! É narcisismo ver-se dessa forma ou é busca do conforto da semelhança?

O livro é delicioso, de fato, mas senti o gosto doce e amargo de suas páginas. Doce pela fruição da história, pelo despudor de cenas e personagens, pelo português bem escrito, pela convergência de admiração e realidade. Amargo por uma questão estritamente pessoal. Vi-me demasiadamente nas cenas e descrições do capítulo final. O desenrolar dos últimos acontecimentos tocaram-me no âmago, e o autor deixou-me sem chão… Li ininterruptamente para buscar o desfecho, mas ele propositadamente o deixa em reticências…

O gosto do encontro é acre-doce, bom e ruim, confortável e desagradável. É como se a língua não soubesse discernir qual sabor prepondera ao deparar-se com o alimento em sua boca. É um delicioso que intriga, incomoda, perturba. E o autor, em sua maestria, enfatiza o que sabe ser o seu intento e sabor. E, assim, mantém o suspense do leitor ao comunicá-lo para as próximas leituras. Ou melhor, não é bem uma comunicação, mas uma convocação. Sente-se falta de um ponto final, pois se busca o que é diferente no plano real, visível, tangível.

Infelizmente o livro não está disponível em estantes. Posso gabar-me de haver sido enviado por e-mail para o meu inexpressível deleite. Só posso esperar que o autor decida publicá-lo e ele possa integrar a minha modesta prateleira de livros, com uma dedicatória e um belo autógrafo, e que outros também possam deliciar-se. Parabenizo quem um dia foi meu professor. E, um dia professor, eterno mestre. "Tim-tim" a todos que habitam a selva, não se utilizam de máscaras ou os que dela se utilizam para que a invisibilidade seja uma defesa, uma necessidade ou uma mera exigência da loucura e da inadaptabilidade ao cotidiano, ao morno, ao linear.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Selva aqui dentro I

Neste último sábado, entre pintar as unhas e cuidar do cabelo, abri um romance no computador que há muito devia leitura. Acendo um cigarro para examinar as primeiras páginas a fim de saber do que se trataria a história. Envolvo-me. O belo português, a ansiedade pela história, a curiosidade pelos personagens e a admiração pelo autor fizeram com que eu lesse quase o capítulo inteiro numa tarde enquanto não chegava a hora do encontro com os amigos.

Por alguns instantes, cheguei a não querer me ausentar do quarto para manter a leitura até o fim. No entanto, não podia mais ficar envolta somente entre palavras escritas, precisava de contato humano, social. Além disso, quis também postergar o prazer pela semana que se aproximava. Ela me ocuparia após o expediente e me permitiria conhecer a literatura de um daqueles que considero seres mortais. Não digo isso para diminuir o autor. É pelo simples fato de tê-lo conhecido e tê-lo como uma de minhas metas profissionais.

Decido dar-lhe notícia da leitura de seu romance e ele me diz de sua falta de autoconfiança. Como? Como isso é possível em um dos seres mortais que tive o prazer de conhecer e a quem devoto tanta admiração? Não, este mundo está mesmo com os valores invertidos. Conheço outras tantas pessoas a quem não sinto qualquer admiração e se comprazem em levantar o nariz por serem não sei o quê… Resolvo dar-lhe uma bronca porque nada daquilo fazia sentido. Aos poucos, acho que ele recobra a lucidez e percebe a grandeza que é. Assim, espero. Ao mesmo tempo também espero que ele não a retome de forma a integrar-se ao grupo repugnante de raposas e urubus que às vezes são alguns jornalistas.

Noutra tarde, no terceiro dia completamente envolvida pelas mais de duzentas páginas de uma "selva lá fora", leio todo o segundo capítulo. É estranho ler algo de quem se conhece. Ainda não tinha tido esta experiência tão larga, feroz e exuberante. Descubro sentir-me como aquelas pessoas que abordam atores nas ruas com comentários sobre suas novelas televisivas. Fiquei imaginando se ele seria o protagonista da história, se havia realmente feito todas aquelas aventuras e se estaria tornando-se ou teria se tornado o "porco" do enredo. Obviamente, não tive ou ainda não tive a coragem de especular sobre isso…

...

Próximo capítulo em breve

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Esquecer para um dia recordar...

Raramente recordo dos meus sonhos. Mas, nesta manhã, acordei intrigada pela lembrança e pelas próprias fantasias. Não sei se tanto me incomodou por haver perdido a idéia louca do que são os sonhos ou se eles mesmos foram loucos. O que será que os sonhos nos dizem? Será que mesmo sendo fortes, o inconsciente vem para nos dizer que ainda há algo que não quer nos largar? Que nos é nato, etéreo e permanente, por mais que se lute contra? Os três momentos oníricos que me perturbaram durante todo o dia remetem-se a coisas distintas. Busquei relação, mas ela estaria certa? A agonia da compreensão me persegue. Ela é necessária? Será que precisarei ler a Interpretação dos sonhos para buscar a razão? Não... A noite se aproxima e virão mais sonhos, mais loucuras, mais esquecimento... Talvez o entendimento retire a mágica da noite e traga mais insanidade ao dia.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Lua cheia, Terra cheia

São Jorge, venha me buscar
Me leve para qualquer lugar
Me carregue em seu dragão
Onde nem sequer haja chão
Que eu quero ver a Terra distante
Pelo menos por um breve instante
E eu tenha férias de tanto horror
E que nada mais me cause dor
Não quero rostos em pranto
De feridas que machucam tanto
Na circunferência que vejo ao alto
Quero ver beleza sem salto
E que sorrisos se abram plenos
E as tristezas sejam tão menos
É minha modesta vontade
Sem qualquer vaidade

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Muralhas e tribunais

Não me pode mais do que eu já me podo
Não me tolha mais do que eu já me preservo
Não me peça mais limites mais do que já me impeço
Não me ponha palavras que não foram ditas
Não me aponte o dedo sem antes saber o que penso

Se quiser saber, eu digo
Se não quiser, não conclua
Se perguntar, eu respondo
Se gritar, eu berro
Se calar, eu silencio

Não me peça para não ser eu
Não me mande embora que eu vou
E vou de coração aberto
E você, de coração tacanho
Por meras palavras malditas e mal ditas

Sei que posso tocar as estrelas
Então não me subestime
Não me vulgarize
Não me apequene
Eu sei quem sou

terça-feira, 15 de julho de 2008

“Xô, mixaria”, diz o mundo a todo instante

Fiquei chocada nesta manhã quando li matéria da Folha de S.Paulo: Prefeitura faz muro sob viaduto para tirar moradores de rua. Conforme a notícia, a subprefeitura da Lapa alega com isso evitar incêndios no local e que a construção foi realizada a pedido de moradores próximos dali. É ruim, hein?! Eu concordo com o urbanista consultado pelo jornal. Ele diz que isso é parte de uma política higienista, para limpar a pobreza do bairro.

Coincidentemente, ontem à noite, passei horas lendo um livro em que o autor disserta em cinco páginas sobre a mixofobia. Segundo ele,

“A mixofobia é uma reação altamente previsível e difundida entre os diversos tipos humanos e estilos de vida capazes de confundir a mente, provocar calafrios e colapsos nervosos, de que estão repletas as ruas das cidades contemporâneas, assim como seus distritos residenciais mais ‘comuns’ (leia-se: não protegidos por ‘espaços interditados’). Conforme a polifonia e a diversificação cultural do ambiente urbano na era da globalização entram em cena – com a probabilidade de se intensificarem no curso do tempo –, as tensões oriundas da exasperante/confusa/irritante estranheza desse cenário provavelmente continuarão a estimular impulsos segregacionistas.

Expressar tais impulsos pode (de modo temporário, mas repetido) aliviar tensões crescentes. Isso oferece uma esperança: diferenças excludentes e desconcertantes podem ser incontestáveis e refratárias, mas talvez seja possível extrair o veneno do ferrão atribuindo a cada forma de vida um espaço físico distinto, ao mesmo tempo inclusivo e excludente, bem demarcado e protegido. Evitando-se essa solução radical, talvez se possa pelo menos assegurar para si mesmo, para os amigos, parentes e outras ‘pessoas como nós’, um território livre daquela miscelânea que irremediavelmente aflige outras áreas urbanas. A mixofobia se manifesta no impulso que conduz a ilhas de semelhança e mesmidade em meio a um oceano de variedade e diferença.”

Não é isso o que a prefeitura de bairro de uma das maiores cidades do mundo realiza na verdade? Subestimar o cidadão com uma alegação frágil é ainda tanto menos ruim do que a construção de um muro para apagar a pobreza aos olhos de empresários e executivos. Mandá-la para longe como que para confirmar “o que olhos não vêem, o coração não sente”. Que baixeza do ser humano! A que pequenez chegamos!

Isso me recorda uma cena que vi há alguns anos na capital do país. Esta foi uma das vezes em que senti raiva, tristeza, vergonha, repugnância. Numa tarde, vi uma mulher dirigir seu carrinho atrás de uma carroça. Ela buzinava para que ou o cavalo andasse mais depressa ou se retirasse da sua frente. Na verdade, ela deveria mesmo querer que aquilo estivesse bem longe de seus olhos. Minha vontade foi parar em frente a ela e lembrá-la:
“– Você vive em um dos países com maior desigualdade social do planeta. Se não quer andar atrás de uma carroça, vá morar na Suíça”.

Ah... Como o mundo podia se parecer um pouquinho com a minha cidadezinha invisível. Ou que, pelo menos, soubesse conviver com o diferente simplesmente. Mas talvez seja pedir demais que as pessoas parem de olhar para o próprio umbigo.

No entanto, como diz uma música do meu querido e admirado Lenine:
“Umbigo meu nome é umbigo
Gosto muito de conversar comigo
Umbigo meu nome é espelho
Não dou ouvidos nem peço conselhos
Umbigo meu nome é certeza
Só é real o que convém à realeza
Umbigo meu nome é verdade
Sou o dono do mundo e o rei da cidade...”

É isso, então, reis e rainhas da cidade: vivam sua realeza, fechem os olhos para a diferença, para a pobreza! Em contrapartida, lembro-me de meu sonho infantil de distribuir dinheiro em sacos de pão aos necessitados que nos abordam nos semáforos, nos restaurantes, nas ruas, nas calçadas. Não sei por que tão criança tinha este sonho, mas talvez seja para não esquecer jamais de tentar fazer algo para melhorar o mundo...

O livro de que copiei as aspas é Amor líquido, do sociólogo Zygmunt Bauman, página 133

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Conversando com Deus

Apesar de não ser religiosa, decidi assistir ao filme Conversando com Deus. Fiquei curiosa ao me contarem a história, mas não me surpreendi. Um filme fraco, sem grandes acréscimos. O único momento em que relacionei a algo em minha vida foi quando o protagonista nos diz que, de fato, conversamos freqüentemente com Ele. Aí, ele citou, por exemplo, músicas que tocam no rádio que remetem exatamente aos momentos que estamos vivendo.

Neste instante, lembrei-me de uma vez que, logo após sair do trabalho, entro no carro para ir ao banco resolver um pagamento. Ao ligar o som, começa a tocar a música Olhos nos olhos de Chico Buarque. Assustei-me porque era exatamente o que pensava e o que precisava ouvir. Ao entrar na longa fila do banco, uma senhora atrás de mim puxa conversa. Durante vários minutos, conversamos como velhas amigas sobre o que me afligia. Depois de resolvido o depósito, despeço-me da senhora e vou para casa com a impressão de que nada daquilo foi coincidência…

Sinopse

O filme Conversando com Deus é uma adaptação do livro homônimo escrito por Neale Donald Walsch em que ele conta sua própria história. Neale sofre um grave acidente de carro no qual quebra o pescoço. No pior momento de sua vida, Walsch (Henry Czerny), faz a Deus algumas perguntas. As respostas que ele recebe tornam-se base do livro internacionalmente reconhecido.

Título Original: Conversations with God
País de Origem: EUA
Direção: Stephen Simon
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 109 minutos
Ano de Lançamento: 2006
Site Oficial: http://www.cwgthemovie.com

terça-feira, 8 de julho de 2008

Escafandros e borboletas


O escafandro e a borboleta é um belo filme, singular em sua história, condução e interpretação. Sem pieguice ou dramalhão, o longa-metragem retrata a história, baseada em fatos reais, de Jean-Dominique Bauby (vivido por Mathieu Amalric), 43 anos, redator-chefe da revista Elle, que subitamente sofre um derrame cerebral ao lado de seu filho em 8 de dezembro de 1995. Após 20 dias em coma, Bauby acorda e recebe a notícia de que todo o seu corpo está paralisado, exceto seu olho esquerdo.

As primeiras cenas do filme retratam somente o mundo visto do olho esquerdo de Bauby. Só vemos o que por ele pode ser visto, em seu ângulo e em sua amplitude. Sentimos sua angústia quando, ao acordar, médicos lhe dirigem a palavra, ele, a sua, mas ninguém o escuta. Assim, então, ele descobre que tampouco fala. Com a ajuda de uma ortofonista (profissional de saúde que pratica métodos de reeducação verbal destinados a corrigir defeitos de pronúncia e elocução), Bauby comunica-se e escreve seu livro autobiográfico apenas com o piscar de um olho.

Toda a sua comunicação é realizada por uma ou duas piscadas. Ele pisca o olho uma vez para dizer "sim" e duas vezes para dizer "não". A partir disso, o visitante lhe dita letras do alfabeto e, assim, ele forma palavras, frases, páginas inteiras. A paralisia de que sofre recebe o nome de Síndrome Locked-in – fechado no interior de si mesmo –, uma doença rara que o deixou lúcido intelectualmente, mas com o corpo totalmente imóvel. Todo o tempo em um hospital, Bauby respira e come por meios artificiais, recebe ajuda da mãe de seus três filhos e de um amigo.

Grande parte do filme mostra o bom-humor e a irreverência do autor do livro e protagonista do filme. Ele leva na esportiva quando, por exemplo, dois homens responsáveis pela instalação de um telefone adentram seu quarto e não o reconhecem como homem ou mulher e fazem graça ao descobrirem que ele não fala e, por isso, não haveria necessidade do aparelho. E Bauby ainda brinca com a ortofonista ao imaginar-se dizer que lhe falta senso de humor. Também é possível esboçar um sorriso quando ele se lastima ao ver uma bela enfermeira ensinando-o movimentos com a língua para que possa se alimentar sozinho ou começar a emitir alguns sons.

Cenas tocantes também envolvem o filme, mas não de forma melodramática. A principal delas é quando seu pai o telefona no quarto do hospital. No diálogo, o pai diz que sente sua falta e que é impossível conversar daquela forma, pois já estava velho e não conseguia mais lembrar o que tinha a dizer. A emoção maior surge quando o pai associa a condição de seu filho à sua quando diz mais ou menos assim: "eu também estou com a síndrome locked-in, estou aprisionado em meu apartamento, pois não consigo mais subir e descer as escadas".

Apesar de aprisionado em seu corpo, Jean-Do, assim chamado carinhosamente por familiares e amigos, voa longe, delicia-se com ostras em uma mesa farta acompanhado da mulher que o auxilia na escritura de seu livro. Além disso, ele lembra uma viagem que realizou a Lourdes com uma antiga namorada. Isto é, ele próprio descobre que a paralisia não lhe alcançou sua imaginação e sua memória.

Após dez dias de escrito o livro, Bauby falece a 9 de Março de 1997. Sua doença e sua morte são metaforizadas no filme com as geleiras desmontando e remontando-se, respectivamente. Um belo e bem feito trabalho, sem apelo a melancolia ou a choradeira. A emoção toca o espectador pela própria história de vida do autor e pela construção de cenas e diálogos.

A película, que recebeu prêmios no Festival de Cannes e no Globo de Ouro, nos permite ver que também somos escafandros e borboletas. Escafandros porque somos prisioneiros de nós mesmos, de nossos medos, de nosso passado, de nossas angústias. Borboletas porque todos temos nossos sonhos, nossas aspirações, nossas viagens, nossa imaginação e nossa memória. Mas sejamos mais borboleta que escafandro e apaixonados pela vida, assim como Bauby.

O Escafandro e a Borboleta
(Scaphandre et le Papillon, Le, 2007)

Direção: Julian Schnabel
Roteiro: Jean-Dominique Bauby (romance), Ronald Harwood (roteiro)

Gênero: Biografia/Drama
Origem: Estados Unidos/França
Elenco: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Max von Sydow, Isaach De Bankolé, Emma de Caunes
Duração: 112 minutos
Tipo: Longa
Site oficial: http://www.lescaphandre-lefilm.com/

Crítica por Gustavo Castro

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Liberdade aos cotovelos

“Tira o cotovelo da mesa!” Esta coisa que pai e mãe nos dizem quando somos pequenos é mais séria do que eu pensava. Eu só não imaginava que isso nos medisse entre bons e ruins, entre nobres e plebeus, para usar um pensamento de Nietzsche. Aprendi várias regras de como se portar à mesa; como não falar de boca cheia (nem tanto); a diferenciar os talheres conforme os pratos assim como distinguir os copos conforme a bebida; entre outros modos que nos façam parecer uma pessoa digna de sentar-se junto a outras. Mas os cotovelos...

Aos 26 anos, descobri que colocar os cotovelos em uma mesa torna-me uma completa jeca e uma incapaz de progredir social e profissionalmente. Há quase uma semana, penso, reflito e sonho com a minha imagem de filha de paraibanos, com sotaque ao pronunciar certas palavras e expressões, com o meu jeito masculino de fumar, com a espontaneidade com que solto uma gargalhada, com a minha simplicidade no modo de pensar e de me vestir. E me vi um monstro!

Esse monstro em que fui transformada não se originou da minha cabecinha medíocre, mas da cabeça de um senhor experiente, amigo de autoridades, freqüentador de requintados restaurantes, leitor de mais de mil e quinhentas obras, que se relacionou com belas e grã-finas mulheres. No início, fiz graça e piada com minha forma de ser, provocava ao enfatizar este meu jeito, mas, um dia, em um sertão australiano, senti-me ofendida. Como tais questões podiam me diminuir a tal ponto de eu não poder ser querida da forma como sou?

A previsibilidade é a grande característica das pessoas. Desde o início, fugi de viver esta história porque sentia que pudesse sofrer com as diferenças mais à frente. Mas, bastante antes da meia-noite, virei abóbora. Uma abóbora que nem sequer antes foi princesa, mas que os olhos e o coração do lord esperavam que ela assim se tornasse. No entanto, não houve pretensão ou fingimento. Ela quis, no mínimo, que a vida lhe surpreendesse, mas os seus medos coincidiram com a realidade. E ele com o seu “instinto de apequenar os homens”... (Nietzsche novamente)

Ser uma boa pessoa; enxergar além das diferenças; viver uma linda história sem preconceitos, arquétipos ou estereótipos... Esqueça! Nada disso existe. Não adianta ir contra os ditos populares ou com os cuidados de mãe... Nada existe à toa. A vida resume-se muito em “cada macaco na sua árvore”. Você pode subir, descer ou permanecer, mas não se desloque para outra árvore, pois você será expulso, não tenha dúvida. A plebéia “mar nunca” sairá do seu arbustinho. A Genealogia da moral ajudar-me-á a compreender mais isso tudo...

“Descobri então que todas elas remetem à mesma transformação conceitual – que, em toda parte, ‘nobre’, ‘aristocrático’, no sentido social, é o conceito básico a partir do qual necessariamente se desenvolveu ‘bom’, no sentido de ‘espiritualmente nobre’, ‘aristocrático’, de ‘espiritualmente bem-nascido’, ‘espiritualmente privilegiado’: um desenvolvimento que sempre corre paralelo àquele outro que faz ‘plebeu’, ‘comum’, ‘baixo’ transmutar-se finalmente em ‘ruim’” (NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral: uma polêmica, p.21).

Obrigada, Nietzsche!

Brasília, 18 de janeiro de 2008.

domingo, 6 de julho de 2008

Insônia de sóis e luas

Estou cansada
Durmo para os dias passarem
Acredito para o pessimismo não inundar
O que desacredito que não seja
A vida é lenta para ser curta
É efêmera para ser longa
Estou cansada de habitar a cidade visível
Enquanto fujo para a invisibilidade dos meus sonhos
Ah! Se a fantasia viesse para a realidade...
E a vida fosse um prazer inócuo...

sábado, 5 de julho de 2008

SOS

Sós, sempre sós
Um momento próximo
No próximo, só
Nasce-se só
Vive-se só
Morre-se só
Há que saber viver-se só
Para não perder-se em não ser só
O que se é a sós

sexta-feira, 4 de julho de 2008

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”

Hoje o céu é mais azul
As pessoas são mais belas
Os sonhos são mais alegres
As palavras são mais doces
Minha cama é um refúgio delicioso,
não mais torturante
Volto minha atenção para a novidade
Não me prendo mais ao passado como ontem

Era como se algo me amarrasse por dentro
E eu tivesse conseguido afrouxar as amarras
Sinto-me mais leve
O coração está em paz
Sigo em frente a minha estrada
Sem arrependimentos
Sem rancor

Ferida virou cicatriz
Sofrimento, crescimento
Palavras, recordação sem dor
Amor de ontem, doce lembrança

Sinto a delícia de me levantar após a queda
Olhar para mim e ver que sou capaz
De amar, sofrer e ainda mais amar
Um hematoma se esconde em meu corpo
Sem mágoa, sem lágrima
Com alegria, com doçura
E com a certeza de que a vida vale a pena
Com seus percalços e encalços
Pois quem é verdadeiro não teme o amanhã
Não se desfaz de máscaras
E se regozija das surpresas que surgem