quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Congresso Internacional do Medo

O título já é suficientemente atraente. Baseado no homônimo poema de Carlos Drumond de Andrade o torna irresistível. E o espetáculo ainda supera as expectativas. A peça é o mais novo trabalho do grupo Espanca!, uma trupe de Belo Horizonte, que venceu com este trabalho o II Projeto de Co-Produção do Núcleo dos Festivais Internacionais de Artes Cênicas do Brasil.

Oito artistas no palco mantêm a platéia atenta durante 80 minutos e arrancam risadas surpreendentes em um diálogo trágico e cômico. Como em uma conferência, cinco deles apresentam-se sentados em uma mesa com seus respectivos copos d’água e plaquetas com seus nomes. No início, permanecem calados por desconhecerem os motivos de estarem ali.

De origens diferentes e idiomas estranhos, cada um discorre sobre as especificidades que conhecem. Para decodificar a língua em que falam, há uma tradutora que, ao final, torna-se dispensável, pois, apesar das diferenças, todos se entendem. Nascimento e morte ocorrem no palco como para enfatizar o medo que nos assombra e de que fala Drumond em seus versos.

É difícil descrever o espetáculo, e nem conseguiria. É preciso assistir para sorrir, pensar e aplaudir. É uma pena olhar para trás e ver cadeiras vazias, mas quem teve o prazer de estar na sala Martins Penna do Teatro Nacional de Brasília do dia 26 ao dia 28 de agosto sabe o quanto valeu a pena. É aconselhável levar carderninho e caneta, pois como a amiga que me acompanhou, ela gostaria de ter registrado algumas fantásticas expressões. Um exemplo: “brindar” na língua de um dos conferencistas é “estalar de vidros”. A criatividade é admirável.

A peça integra o Cena Contemporânea 2008 – Festival Internacional de Teatro de Brasília. Saiba mais no site

Grupo Espanca!

Formado em 2004, em Belo Horizonte (MG), o Grupo Espanca! conquistou o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) e o Shell de melhor dramaturgia em 2005, já com seu primeiro trabalho, Por Elise, que também recebeu, em 2006, o prêmio SESC SATED-MG de melhor espetáculo e melhor texto. Escrito e dirigido por Grace Passô, que também é atriz do espetáculo, Por Elise foi indicado ainda pela Revista Bravo! como um dos 100 melhores espetáculos de artes cênicas produzidos nos últimos oito anos no Brasil.

Congresso Internacional do medo
(Carlos Drumond de Andrade)

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que estereliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Foto: Calixto

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Viagens de “anasritus” à terra alheia em busca de um passado que não existe porque é futuro e de um futuro que já passou porque sonhado*

Como não bastasse o domingo ser normalmente um dia preguiçoso (ainda mais depois dos inevitáveis plantões), uma conversa um tanto filosófica fez cair aquelas coisinhas salgadas que pululam (tantas visitas ao dicionário têm de servir à alguma coisa) dos olhos. Um papo sério sobre a vida, o ceticismo, o presente e o futuro, o inferno. Concluímos que o fogo arde aqui mesmo, como muitos já sabem, mas não porque exatamente se sofre aqui na Terra. Mas porque são necessários tantos ardis para se proteger que... Que canseira!

Não gosto de estratagemas. A própria palavra por si só, o signo já é feio. O significado então... Planos, esquemas, subterfúgios... Um palavreado que não constava do dicionário da minha vida, mas que fui aconselhada a tratar de fazer os tais acréscimos. Ele abriu meus olhos para tanta coisa que me perdi no meu já perdido mundo. Fiquei sem saber como agir e como desaprender o que aprendi a ser. Não sei ser diferente. Quantos no mundo fariam isso? E conseguem de fato?

O diabo é que me pergunto demais. Vejo-me como aquelas crianças com os olhos arregalados cheios de curiosidade. E, quando vejo esses olhinhos, fujo para não ter de dizer a verdade ou simplesmente por não saber responder. Eu bem queria fugir de mim quando essas interrogações vêm à tona... Dá um trabalho danado, a cabeça não pára, eu não durmo... E de nada adianta porque para quase tudo na vida não há respostas. De um pouco adianta porque os neurônios correm freneticamente e isso é bom para afastar o Alzheimer. Mas ainda estou nova para isso. Estou?

Mas adoro essas conversas. Por mais que doam algumas conclusões, é melhor do que seguir só andando, sem paradas. E quando há companhia para as intercaladas melhor ainda. Assim, não nos viciamos em nossos pensamentos, vemos e podemos admitir outros pontos de vista. Ao fim, chegamos a conclusão da “desconclusão”: é melhor eu continuar da forma como sou e que se dane o mundo.

* Uma brincadeira com o título de um livro do meu querido e “monografado” escritor Samuel Rawet:
Viagens de Ahasverus à terra alheia em busca de um passado que não existe porque é futuro e de um futuro que já passou porque sonhado, 1970

domingo, 24 de agosto de 2008

Verdurinhas no palco

No castelo mal assombrado, um mineiro com traços de Gérard Depardieu desassombra com sua simpatia, com sua guitarra tranqüila, com seu falatório. Uma horta com bons frutos cultivados desde a década de 60, dos tempos do Clube da Esquina. Toninho Horta é como uma daquelas figurinhas queridas que mal se acaba de conhecer e se tem por elas um sentimento de carinho.

E não é à toa. Sua irmã, Leila Horta, o acompanha em algumas músicas com sua flauta. Ao final, Toninho brinca, quer pegá-la no colo e lhe faz reverências ao sair do palco. O rosto caricato não me arrebatou como outros, mas sempre vale a pena conhecer o desconhecido.

Toninho Horta:
5º melhor guitarrista do mundo pela revista britânica Melody Maker em 1977
7º melhor guitarrista em 1978 pela mesma revista

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Dulces sueños

O céu já bem negro, deito. À espera do sono que me acalenta, imagino. Em vez de um teto maciço e branco, invento um buraco por onde vejo a escuridão do céu com seus pontinhos brilhantes. Penso se cada estrela está ali fixa todas as noites em toda a existência do mundo. Será que elas não mudam de lugar, ou caem com a velhice, ou se renovam a cada noite, ou são anciãs e imortais e que nós vemo-las iguais às vistas pelos homens das cavernas?

Fico nessas delongas todas as vezes em que o mergulho no sono me parece difícil ou até impossível. E, constantemente, os sonhos acordados são tão bons que esqueço de dormir e prefiro permanecer alerta para viver as fantasias. Mas lembrar que amanhã tudo começa novamente me faz agarrar o travesseiro e enrolar-me no edredom como que chamando o sono que não vem. Quero sonhar e ao mesmo tempo preciso dormir para acordar cedo e enfrentar mais um dia de trabalho.

Depois de horas de um chá-de-cama que o sono me dá, desisto. Invento personagens, bolo histórias, regozijo-me das delícias que vivo. Invento que estou na garupa de Che Guevara de braços abertos com o vento no rosto e chego à bela Buenos Aires. Hablo un español perfecto. Alan Pauls me convida para um tango e me fala da relação intrínseca triste que há entre a dança e o seu país.

Como se fosse possível conhecer toda a Argentina em apenas alguns segundos, vôo para outro sonho. Sozinha em um jipe com a melhor trilha sonora de todos os tempos, chego à Havana. Ressuscito todo o Buena Vista Social Club como se estivessem a cantar para me receber. Encanto-me e é uma alegria profunda. Como sair de um sonho desses? Vou às praias paradisíacas da ilha e as cores do céu e do mar se confundem, se encontram, são uma só. A pele ardida de sol é um deleite ímpar na minha real fantasia.

Do outro lado da tela, ele me diz gostar da França, da Paris de Piaf. Yo hablo de mi Buenos Aires querido, de mi Cuba que yo rezo para que Fidel no muera mientras sueño. Invento um país em que todos os outros são miniaturas e cabem todos em um só. Encontramo-nos em um café, não de Cortázar, não entre cronópios, famas e esperanças. Sentamo-nos, sim, em um café, com um jardim de rosas perfumadas atrás, com músicos de salsa e tango que se revezam ao lado direito, vemos a vida acontecer em distintos costumes ao lado esquerdo, e, à frente, o infinito nos traz mar, morros, montanhas.

Ele fuma o charuto cubano enrolado nas cochas de las chicas. Eu bebo uma tradicional sangria espanhola. Ele me fala um francês colado ao ouvido que não quer jamais sair dali. Eu, à la dançarina de flamenco, falo baixinho em italiano que podemos sonhar o quanto quisermos. Embriagamo-nos de sonhos, viagens, vôos, pernoites. Um tremelique distante desperta Ana Rita e o país das maravilhas. Inebriada, acordo como aquela canção de Zeca Baleiro. “Hoje eu acordei com uma vontade danada de mandar flores ao delegado, de bater na porta do vizinho e desejar bom dia, de beijar o português da padaria”.

Este é o óleo que mantém a engrenagem em ordem, para evitar que as peças envelheçam, que a boca azede, que o coração se empedre, que a visão se converta numa neblina, que a mente se apegue ao passado. São tantos os sonhos que cada um poderia ser transcrito em um imenso tomo, com histórias, diálogos e personagens completamente diversos de cada volume. De pé, pronta para seguir para o trabalho, abro a porta do carro, mas uma buzina me impede de adentrar o veículo. Che Guevara, em sua motocicleta, pega minha mão e diz: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”.

Mal dá o recado, desaparece. Entro no carro e pego a direção do trabalho. Sinto saudades dos sonhos e, em particular, daquele brasileiro que fala francês, com ar de espanhol, com os pés de tango, que fuma um charuto cubano, e que aceitaria sonhar comigo nas pirâmides do Egito, na Cordilheira dos Andes, encontrarmo-nos com elfos nas rochas da Islândia, nadar junto a tubarões no Recife, fazer um rally nos desertos da África, que ele seria Shah Jahan e tivesse construído o Taj Mahal em minha memória. O encantamento onírico me alegra por todo o dia para encontrá-lo novamente em minhas viagens no negrume do céu.

Para um amigo a quem confidenciei, com quem troquei e reinventei sonhos...

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Matemática inversa

Reinventar-se porque é natural. Somar-se porque até a mais firme subtração acrescenta. Talvez o “menos” seja mais do que qualquer aparente acréscimo. É no desencontro que se encontra, é no perder-se que se acha, é no caos que se organiza, é no zumbido que se pacifica.

O que se perde é porque já deixou, já foi. Fica o que pode ser somado. O que permanece é o que não pára de acrescentar. Não há pressa e não há instante que paire. A monotonia engana com sua aparente morosidade, porque nela mesmo acontece e faz acontecer.

para os sabores e dissabores das lentas e corridas horas de nossos finitos e intermináveis dias

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

“Quer dormir comigo?” ou “eu te amo!”?

Em um breve espaço de tempo, percebo em coisas que li e assisti que um assunto permeou todos eles. Sexo. Palavrinha pequena que parece ser a força centrípeta de todo o universo. Não apenas a procura por ele, mas por ele ser qualquer coisa que move qualquer coisa. Como se tudo na vida – relacionamento, carreira, família, amizade – fosse compreendido a partir dele e para ele. Será?

Não quero tratar de puritanismo, conservadorismo, mas será que isso é a modernidade ou somos nós mesmos que antes éramos dissimulados e hoje tratamo-lo com maior facilidade? Aprecio a idéia da liberdade, da escolha, do livre-arbítrio, mas não me apetece a questão simplesmente instintiva de animais que somos. Senão, o que há acima de nossos pescoços poderia ser ainda menor...

Esses pensamentos se iniciaram após assistir o filme de Murilo Salles, Nome próprio, premiado nesta segunda-feira no Festival de Gramado com melhor filme e melhor atriz. Leandra Leal sim, mas o filme?! (na minha débil opinião, um longa banal, fraco, sem conteúdo). Não sou gabaritada para criticá-lo, mas tantas cenas de sexo fizeram-me crer que esta era uma das saídas, senão única, que a protagonista buscou para suas aflições. Ok... Cada um com suas válvulas de escape, mas algo de ruim me tomou após 120 min sentada em uma poltrona.

A falta de sentimento e de envolvimento me entristece. Por um lado, as pessoas são mais acessíveis; por outro, são autoproclamadas solteirões ou solteironas ou sozinhos por convicção. A acessibilidade de que falo é aquela de uma ligação de madrugada, de um convite para se dormir junto. O solteirão e a solteirona ou os sozinhos por convicção são aqueles que se divertem, estão abertos a conhecer outras pessoas, mas sempre impondo limites a si mesmos e a quem se aproxima.

É como aqueles carros que possuem GPS. Se você está acima da velocidade, ele apita para avisar que há radar mais à frente. Ou seja, algo nas pessoas alerta para “opa, cuidado, ali você pode se apaixonar, ali você pode se machucar”. E qual o problema nisso? Quer dizer, agora não sei mais o que pensar... Enquanto me apaixono como Vinicius de Moraes, me pego pensando em uma bela música de Dorival Caymmi*. Dói muito um coração partido. Quem nunca chorou dias e noites intermináveis, emagreceu porque a dor bastava como alimento, achou que não sobreviveria numa via de mão única?!

Eu mesma tenho minhas opiniões e eu mesma me desmorono com elas. Mas, ainda assim e apesar de tudo, não acredito que se seja feliz somente com conhecimento, cultura, erudição, dinheiro, bens materiais, viagens. As pessoas e a vida, mesmo com suas maldades e ilusões*, nos causam sensações tão indescritíveis que talvez eu não soubesse viver sem elas.

Após meses e anos, são tão boas as lembranças que se tem de um “eu te amo”, de um sorriso à sua espera num aeroporto, de uma amizade que ficou após o fim de uma história. Sofrimentos e quedas existem, machucam, mas a vontade de viver algo semelhante de novo é tão forte que parece se esquecer das mazelas que vêm de brinde, ou pelo menos elas preponderam. Mas não há nada que seja de todo ruim, felizmente, ou de todo bom, infelizmente. E tudo na vida é assim. Por que não viver?

*O próprio Dori vira o jogo no final de sua música:

Saudade da Bahia

Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia
Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia
‘Bem, não vá deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão’
Ai, se eu escutasse hoje não sofria
Ai, esta saudade dentro do meu peito
Ai, se ter saudade é ter algum defeito
Eu pelo menos mereço o direito
De ter alguém com quem eu possa me confessar
Ponha-se no meu lugar
E veja como sofre um homem infeliz
Que teve que desabafar
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz
Vejam que situação
E vejam como sofre um pobre coração
Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz
(Dorival Caymmi)

domingo, 17 de agosto de 2008

Marco Pereira – Celebração e despedida

Uma noite que começa com Eu sei que vou te amar é prenúncio de excelência. Assim, iniciou o show o violonista e compositor Marco Pereira, que transformou o Clube do Choro numa espécie de uma grande roda de amigos. Nas primeiras músicas, portou-se como paulista que é, de poucas palavras, meio nervoso. Mas, logo depois, mostrou-se carioca por devoção, com conversas e brincadeiras ao microfone e com uma seleção musical bem ao estilo boêmio do Rio de Janeiro de décadas atrás.

Além do hino de Tom Jobim que professa o amor eterno, tocou outras tantas perfeições do grande maestro brasileiro – Luísa, Passarim, Se todos fossem iguais a você –, já que este é o homenageado do projeto do Clube deste ano. Além dele, não puderam faltar Vinicius de Moraes, Baden Powell, Dorival Caymmi, Jacob do Bandolim, Radamés Gnattali, Cachimbinho, entre outros.

Triste foi o dia seguinte. Alguém em casa acorda maravilhado com a noite anterior e cantarola Dorival Caymmi. Mais tarde, tem-se a notícia da morte do baiano mais baiano do Brasil. Marco Pereira ainda conseguiu despedir-nos com as músicas da voz mais tranqüila que cantou mar e pescadores. É amargo viver na terra sem Caymmi, mas são doces a lembrança que deixou e a eternidade de suas composições e de sua voz.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Bon jour! Bon soir!

Não, não quero a beleza clássica, tradicional, a olhos nus. Quero aquela encontrável na espontaneidade de um sorriso, na sinceridade de um olhar, na grandeza do perdão, na humildade da desculpa, na disponibilidade em ensinar, na curiosidade em aprender, num coração machucado que soube dar a volta por cima, entre outras coisas tão simples, porém tão raras.

O estereótipo da beleza cega, confunde, maltrata. Esta é uma beleza fácil, fugaz. Quero a beleza difícil, permanente, percebida em trocas, no permitir-se e no deixar. Como um diamante bruto que brilha ao primeiro toque, e não aquele que brilha inadvertidamente em calçadas ou beiras de rio.

Quero a pedrinha encontrável num antiquário, não numa cara loja de jóias. Não quero a modernidade, a cidade grande, entre o buzinar de carros e o tilintar de taças, entre dólares e dolores, as mesmas palavras. Quero o eterno, o romântico, o fora-de-moda, “uma casa no campo”, entre o piar de pássaros e o café na cama, o fílmico, o literário, o poético, a melodia, o abrir a porta. “Eu quero inteiro, e não pela metade”.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

O malandrão carioca

Luiz Melodia em um palco não é um show, é uma festa. Num visual de um verdadeiro malandro carioca – terno branco, camisa branca por fora da calça e sapatos bicolores – o cantor agitou a sala Villa Lobos do Teatro Nacional com sambas das décadas de 30, 40 e 50. O repertório integra seu último cd – Estação Melodia –, que inclui músicas de Ismael Silva, Cartola, Oswaldo Melodia (seu pai), Jamelão, entre outros compositores. Este é o 13º álbum de sua carreira.

Irreverência é o tom da festa. Brincadeiras com integrantes da banda, o andarzinho à la Charles Chaplin, o samba no pé de um autêntico morador dos morros cariocas, fazem-nos sentir próximos ao artista. Não há distância, não há palco elevado, não há artista e platéia. São todos juntos ao mesmo nível na celebração da boa música brasileira.

Um belo momento da festa é quando Melodia senta-se em um daqueles banquinhos altos e anuncia uma música em homenagem à sua gente do Morro de São Carlos, comunidade no bairro do Estácio, zona norte do Rio de Janeiro. Composta por Garoto, Chico Buarque e Vinicius de Moraes, o sambista canta Gente humilde numa linda e carinhosa interpretação. O interessante de Luiz Melodia é sua história e relação com o morro. Não faz disso piedade ou “espetáculo da miséria”. Sua origem e sua vivência são naturais, espontâneas e inegáveis.

Ninguém nunca foi a um show em que um artista possa dizer: "Não riam. Vou precisar sair do palco e vocês fiquem com essa banda maravilhosa". Após risadas e umas duas músicas sem Melodia, ele volta de sandálias e com uma camisa estampada com coqueiros. Ainda mais irreverente, Luiz circula pelas composições de anos atrás. A despedida de palco é única. Melodia e toda a sua banda de pé na percussão cantarolam o sambão de seu pai Linda Tereza. Um fim que não chega nunca e quando termina dá uma saudade e uma certeza de nunca perder um show de Luiz Melodia.

“(...) São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar”
(Gente humilde)

terça-feira, 5 de agosto de 2008

República das bananas! E das melancias...

Em contraste a Sampa de Caetano Veloso, a cantora e compositora paulista Ná Ozzetti é pura elegância. Com discrição e timidez no palco e uma voz exuberante, ela cativa o público. Em show em homenagem a Carmem Miranda, ela e sua banda tocaram os maiores clássicos da “pequena notável”, ressuscitaram o maior ícone da brasilidade, interpretaram a ingenuidade das letras e, sem dúvida, marcaram a platéia com o bom gosto.

Mas, ao mesmo tempo em que as bananas de Carmem Miranda marcaram o Brasil, agora é a vez das melancias taxarem o país com o mau gosto, com a vulgaridade do sexo, com o erotismo baixo do corpo feminino. É de sentir horror, pavor e repugnância uma mulher se prestar a um papel extremamente obsceno em público, mas que gera uma comoção nos homens pela gigante bunda brasileira.

Não se aprecia mais a brasileira pelo seu gingado, pelo seu balançado à semelhança de um poema, como cantou Tom Jobim. Admiram-se movimentos sexuais mostrados a quinhentos mil machos enlouquecidos por uma máquina de bunda cantados ao som de um sujeito com a alcunha de Créu.

Cadê a “garota de Ipanema” e o “menino do rio” da época mais frutífera brasileira? Onde se perderam o bom senso, o bom gosto, o refinamento das melodias, o esmero das canções, o carinho com que se trata a intimidade de um casal? Há os que garimpam, lustram, escavam, descobrem, guardam, cantam, reinventam as boas coisas brasileiras. E é nesses e em Ná Ozzetti que me apego na existência da exuberância, da excelência, da sensualidade elegante, do querido amor, da beleza da vida.

sábado, 2 de agosto de 2008

A benção, Pepeu!

Não é a toa que esse gênio brasileiro é um dos dez maiores guitarristas do mundo e o maior da América Latina. Por mais que se diga, é preciso vê-lo e ouvi-lo de perto, para sentir sua paixão, sua vida dedilhada nas entranhas de uma guitarra. Os trejeitos com os lábios, o fechar dos olhos, o levantar-se da cadeira, são a demonstração de uma paixão que não cabe em si e da genialidade que transborda em uma alquimia de sons e ritmos, brasileiros e estrangeiros. Do bolero a salsa, com direito a samba, choro, jazz, bossa-nova, MPB, frevo, baião, maracatu, reggae, sempre, é claro, com uma sua pitada extragrande de heavy metal, é uma mistura que mostra que tudo é possível com aquela dupla.

A proximidade com o público que o Clube do Choro permite torna explícitas as cenas de amor entre Pepeu e sua guitarra. Ali, pode-se testemunhar a intimidade dos dois, como se ambos fossem os únicos a dominarem determinada língua. Ambos parecem feitos um para o outro e a platéia assiste a orgasmos do artista e a gemidos do instrumento. Uma sinfonia inesquecível e que embevece a qualquer um com sensibilidade e bom gosto. A grandeza do artista está em também apresentar seus músicos com freqüência e dar-lhes instantes de um verdadeiro show. Enaltece todo o tempo seu irmão, Jorginho Gomes, baterista, principalmente quando diz que “sem ele, ele nada seria”.

Pepeu Gomes, com 56 anos, mantém a jovialidade e a sensualidade. Nem com as raízes do cabelo recém-pintadas, suspeita-se que os anos tenham passado para ele. Simpatia e bom-humor são outras características visíveis naquele rockeiro de corpo e alma. Ao final do show, após cerca de duas horas de uma paixão contagiante, Pepeu consegue emocionar ainda mais o seu público. Arrepia-se ao ouvi-lo tocar o Hino Nacional brasileiro naquelas cordas. É uma sensação indescritível... E, como não poderia deixar, ele termina de vez o show com uma palhinha de Satisfaction, dos Rolling Stones. Simplesmente delicioso, inesquecível e arrebatador! Definitivamente, um gênio, um artista, um músico, uma pessoa, um homem apaixonante!

Não sabe quem é Pepeu Gomes?

Pedro Anibal de Oliveira Gomes, conhecido como Pepeu Gomes, é cantor, arranjador, compositor e multi-instrumentista. Ele aprendeu a tocar violão de ouvido, na infância, em Salvador, sua cidade natal. Aos 11 anos, formou sua primeira banda, Los gatos, e, em 1966, com 14 anos, tocou profissionalmente com o grupo Os minos. Com sua próxima banda, The Leif’s, acompanhou Gilberto Gil e Caetano Veloso no lendário show de despedida pré-exilio Londrino em Julho de 1969. Em 1970, com Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Galvão e Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), formou o grupo Novos Baianos. Depois de sua carreira solo consolidada, apresentou-se seis vezes no Festival de Montreaux, tocou no Rock in Rio I, II, III, no Free Jazz, e fez varias apresentações no exterior.

Pepeu Gomes foi considerado pela revista americana Guitar World, um dos dez melhores guitarristas do mundo e o melhor na América Latina na categoria world music. A edição brasileira deste mês da revista Rolling Stone elegeu os melhores discos da música brasileira. Como maior disco brasileiro de todos os tempos, foi escolhido Acabou Chorare (1972), dos Novos Baianos, composto por Moraes Moreira, Baby Consuelo, Pepeu Gomes e Paulinho Boca de Cantor.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Um passe para a paz










Paz! Que coisa mais difícil em manter... Antes, parecia ser só uma questão da paz somente como a diplomacia entre os países, o que não é nada pouco. Como se paz = ausência de guerra. Mas ela é batalha dentro de nós mesmos, travada contra sabotagens, próprias e alheias. É uma busca incessante e interminável. Qualquer descuido e um míssil ou uma fagulha podem pôr tudo a perder e nos fazermos recomeçar a luta. É uma fronteira tênue, uma descostura num delicado tecido por onde ela se esvai. Mas é preciso recuperá-la para sobreviver entre monstros. Monstros que somos, criamos, sem querer procuramos, sem desejar encontramos, sem perceber nos tornamos.

É preciso andar com linha e agulha para ao primeiro instante costurar o que foi desfeito. Se se demorar, o buraco aumenta e demora-se mais para trazê-la de volta. É uma procura tão constante que ela própria parece uma guerra. Não há descanso. Ser diplomático com si próprio às vezes é mais difícil que ponderar com os que estão próximos. E lidar com isso pode trazer dor. É preciso uma dose de egoísmo para não se afundar na areia movediça da vida que exige dar-se e doar-se.

A paz conquistada é uma vitória, mas mantê-la requer esforço, disciplina, controle de pensamentos. O cansaço nos olhos diante da impotência em ser sempre forte é, às vezes, inevitável. Mas é preciso enxugar e recomeçar, sempre. Porque não há cansaço que se prepondere perante a serenidade.