terça-feira, 30 de setembro de 2008

Ô, Rita, tu sai da janela*

– Rita, por que não sugere essa matéria?
– Tenho medo.
– Medo de quê?
– Tenho medo de ser um fracasso.

“O medo é como um laço que se aperta em nós
O medo é uma força que não me deixa andar...
Tienen miedo de encontrarse y miedo de no ser
Tienen miedo de decir y miedo de escuchar…
Tenho medo de parar e medo de avançar...
Medo de pedir arrego, medo de vagar sem rumo...
Medo de se arrepender
Medo de deixar por fazer
Medo de se amargurar pelo que não se fez
Medo de perder a vez” **


* Parte da música Lavadeira do rio (Lenine, Bráulio Tavares)
** Trecho da música Miedo (Lenine, Pedro Guerra, Robney Assis)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Por que ler?

Leio pra crescer
Leio pra acordar
Leio pra não enlouquecer
Leio pro tédio não invadir
Leio pra esquecer
Leio pra me lembrar
Leio pra viajar
Leio pra sumir
Leio pra suportar
Leio pra entender
Leio pra confundir
Leio pra me descobrir
Leio pra me encontrar
Leio pra me perder

Assim, viciei-me em ler...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Agora, sim, Borges.

Preservei uma impressão, adquiri opinião distinta, e hoje construí a minha própria idéia. Jorge Luis Borges é um gênio. Em tempos de faculdade, dizia-se que ele era isso e aquilo, mas ainda não tinha me apaixonado por literatura ou sentido sua necessidade. Anos mais à frente, li uma matéria e... Que decepção! Como alguém tão sublime podia ser racista e a favor de militares no governo?

Então parti Borges ao meio até a literatura virar um vício e ele ocupar um lugar na fileira de livros que me impus. Com a mania assumida publicamente, ganho O Aleph de presente de aniversário de meus 27 anos. Ao terminar outras leituras, mergulho em seus contos. Sim, demorei propositalmente em suas histórias. Dificilmente me concentrava em seus dois primeiros parágrafos, lia e relia, mas, rapidamente, me encantei por suas palavras.

O Aleph foi o típico livro que adiei o fim. Não queria terminá-lo nunca, apesar da lista de obras crescer incessantemente. Admirava-me a sua criatividade, a sua delicadeza, suas referências, as surpresas, o fantástico dos enredos. Certamente sonhei entrevistando-o a fim de descobrir de onde tantas idéias brotavam, mas infelizmente não me recordo de minhas atividades jornalísticas oníricas.

Ao fim de cada conto, precisava desligar-me. Só lia outro no dia seguinte, pois precisava viver e digerir tamanha genialidade. O Aleph também é um dos meus livros que não empresto. É expor-me demasiadamente a quem o abrir. Grifos, círculos, anotações de dicionário. Outra mania que adquiri junto ao próprio vício pela literatura. Costumo imaginar sendo enterrada junto a eles como se ali estivessem meus segredos, meus mistérios, meus medos, meus sonhos.

Todos os contos são um mergulho, mas uns são ainda mais profundos. Chamaram-me a atenção especialmente O imortal, Os teólogos, História do guerreiro e da cativa, Biografia de Tadeo Isidoro Cruz, Deutsches requiem, A busca de averróis, O zahir, A escrita do deus, e, obviamente, O Aleph.

Borges é definitivamente fantástico, em suas duas acepções. No entanto, há ainda outros tantos autores a descobrir... Philip Roth, Milton Hatoum, Inês Pedrosa, Leon Tolstoi, Virginia Woolf... E outros tantos a redescobrir... Samuel Rawet, Italo Calvino, Fiodor Dostoievski, Julio Cortazar, Franz Kafka, Machado de Assis, Guimarães Rosa... E, é claro, Jorge Luis Borges.

“Na rua, nas escadas da Constitución, no metrô, todos os rostos me pareceram familiares. Temi que não restasse uma só coisa capaz de me surpreender, temi que nunca mais me abandonasse a impressão de voltar. Felizmente, ao cabo de algumas noites de insônia, de novo agiu sobre mim o esquecimento”.
(O Aleph, pg. 151)

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

À espera de gotas

Lendo A espera de Borges vi O esmagamento das gotas de Cortázar. Senti o vento no rosto que não sentia há muito no cerrado brasiliense. A vontade de sentir o cheiro de terra molhada me fez antever riscos diagonais na janela do quarto. Prenúncios de chuva aumentavam a ansiedade em ouvir o barulho que carros fazem ao passarem por um volume maior d’água junto ao meio fio.

Correr da chuva por não estar precavido ou banhar-se voluntariamente com as águas do céu. Meus sonhos entremeavam-se aos sonhos de Villari. O que nele eram fantasias aos meus combinava. Ao fim, o recluso depara-se com a realidade, mas deseja que seja sonho. Eu não quererei o sonho, quero o real transbordado em gotas. Não quero lhes dar adeus, quero lhes dizer: sejam bem-vindas.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Estranhos me confortam

Cada vez mais penso nisto: estranhos me confortam. Talvez porque eu seja estranha... Ou porque todos nós sejamos estranhos ou tenhamos nossas “estranhices”. Hoje foi a vez de José Mojica Marins, conhecido como Zé do Caixão.

O confessionário deste mês da revista Bravo! sobre ele diz, entre outras coisas:
“Cientistas vivem alardeando que cigarro prejudica a saúde. Mas por que não se rebelam igualmente contra os poderes nocivos da Coca-Cola? Mojica mantém distância segura da bebida. Crê, com a devoção dos talibãs, que Coca-Cola em excesso tira o vigor sexual masculino e deixa as mulheres inférteis. Perto do refrigerante, nicotina é um néctar”.

É isso aí, Zé do Caixão. Deixem-nos em paz! Bebam coca-cola como se fosse água, empanturrem-se de chocolates, bebam xícaras e xícaras de café ao dia, bebam álcool quanto quiserem, comam gordura à vontade. Não me perturbem nos meus minutos acompanhados de meu cigarro. Cada um com seus vícios, suas manias, suas compulsões, seus pecados capitais, suas válvulas de escape. E viva meus treze anos sem um gole de refrigerante!

domingo, 14 de setembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira

Ensaio sobre a cegueira é um bom filme, assim como o alívio que se sente ao sair da sala do cinema. Poder enxergar e ver que está tudo em “ordem” proporcionam uma sensação anteriormente desconhecida. É como se por algumas horas tivéssemos sentido o que é ver um clarão onde antes havia verde, azul, amarelo. É confortante ver carros estacionados em suas vagas e corredores limpos, sem mau cheiro.

Entristece-se, além das condições em que são obrigados a viver, com o tiranismo surgido em terríveis circunstâncias. Usurpa-se um poder não-legítimo em prol de uma satisfação inexistente. É a baixeza e a amoralidade do ser humano em seu grau mais baixo. Cheguei a me regozijar por o mundo não ser como aquele da tela, mas engano meu. O caos é tanto quanto, apenas as peças estão trocadas.

Enquanto o “normal” no mundo é enxergar, ali ele era o “anormal”. Mas, no plano real, há outras deficiências, outras cegueiras, outras ignorâncias, que nos fazem colocar uma venda para propositalmente não vermos e, assim, fingirmos que certas coisas não existem. Um poder não-legítimo é usurpado todos os dias em vários cantos do mundo.

A diferença é que não sentiremos o prazer de voltarmos a enxergar assim como o personagem alegra-se em voltar a ver formas e cores. Seu júbilo contagia e conforta quem está na poltrona, mas incomoda ver quem sempre esteve naquela condição não ter a esperança como os outros. Ele foi e sempre será cego, e seu desejo pode não mais ser sonhado agora por ser visto e poder, conseqüentemente, ser recusado.

Minha descrença no mundo e no ser humano fez-me pensar que talvez fosse melhor não enxergar. Quiçá fosse melhor não conhecer as pessoas pela sua altura, pelo seu peso, pela sua cor, mas pelo que elas nos transmitem. Não enxergar a fome, as doenças, os maus tratos, talvez fosse mais confortável.

Engano meu novamente. Tudo isso, creio, é passível de ser sentido. A falta de um sentido aguça outros. Percebemos da mesma forma ou pior. E não enxergar não é solução para menos incômodos. Há tantos que enxergam, mas não enxergam. Não enxergam a miséria ao lado, uma carroça que emperra o trânsito, uma família acampada embaixo de um viaduto, o senhor dobrado à entrada do Conjunto Nacional sempre com sorriso no rosto, os olhos desconsolados de uma criança que estende a mão.

Agradeço enxergar, agradeço poder ver as coisas e as pessoas ao meu redor, ver um vôo de um pássaro, ver o azul do céu, ver as águas intermináveis de uma cachoeira, ver as ondas incansáveis da imensidão do mar, ver lágrimas e sorrisos. Agradeço ver o que tantos outros não vêem apesar da impotência diante de tanta maldade, mediocridade, miséria. Que a amaurose de tantos não me infeccione e eu continue sempre a ver a crueza do mundo, pois o belo é fácil de ser visto.

P.S.: Confesso não ter lido o livro de José Saramago. Confesso minha deficiência na irritação com a forma distinta de escrever do autor, minha cegueira por não perseverar com a pontuação inculta e com diálogos que me impacientaram em não discernir se de narrador e de quais personagens. Um dia, quiçá, abrirei os olhos. 5, 4, 3, 2, 1...

sábado, 13 de setembro de 2008

Meus olhos pequeninos

Assustei-me com o interesse. Surpreendi-me com palavras. Encantei-me com os olhos. Apaixonei-me pelo beijo. O inverno de dias nublados agora é primavera de dias ensolarados. Não é enclausurar-se num abraço, são mãos dadas para a liberdade. É acordar sorrindo quando já se despertou em pranto. É a alegria que um dia se pensou distante e hoje é presente. É um abraço apertado para não se deixar perder o que foi encontrado. É um estar junto sem esforço porque é simples estar ao lado. É estar bem tão natural e querer bem tão conseqüente. São uns olhos pequeninos que iluminam olhos desnorteados.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Esparrelas da vida

Menos preconceitos, menos máscaras. Busca diária incansável. Há os que não se importam, mas quero a vida em sua maior autenticidade possível. Se outros não são assim, com estes, sim, não me importo. Mas como saber quem se importa ou não? Prefiro o bruto ao lapidado, mas retirar disfarces é também lapidar-se. Como é difícil desejar alguma coisa se esta uma coisa é também outra coisa. Não é conversa de doido. É um mundo de doido. E ainda morrerei doida... E antes da vida tornar-me doida, ela me cobra ecletismo, põe-me diferenças no caminho para saber contorná-las ou afundar-me nelas, faz-me analisar para a cada dia enxergar com outros olhos os personagens do palco que se esbarram comigo nos corredores de um teatro.

Disseram-me que todos usam disfarces o tempo todo. Eu, pelo menos, procuro desnudar-me cada vez mais do prescindível, mas, ao mesmo tempo, a maquiagem me condena, denuncia-me em minhas mentiras. O livre-arbítrio permite-me esconder minha feiúra e que venham as chibatadas em praça pública. Ninguém é obrigado a se vulnerabilizar, mas é no mínimo estranho preferir ser personagem a autor. Qual a graça de chegar ao fim com histórias de outros, a narrar acontecimentos personificados de nós mesmos? Que eu chore, que eu ria, que eu ame por mim mesma, e não pela minha personagem. Não sei quem sou, mas sei que sou o que quero ser.

domingo, 7 de setembro de 2008

Ele passarão, eu passarinho

Não se sabe com que intento um passarinho pousa em nossas mãos ou retorna de outros ares. Olho para ele e não decifro o que há em seus olhos. Tenho medo que alce vôo e parta como outros. Não como outros exatamente, pois este é o primeiro alado que se aproxima. Por que será que os ventos lhe trouxeram para perto? Semelhanças intrigam-me e questionam-me se não seria uma prova de aprendizado ou a prova da possibilidade.

A pardalzinha fica entre verdes a admirar seu vôo azul. Modesta, ela quer o que lhe parece grande... Como para engrandecê-la ou porque já não suporta mais pequenezas. Talvez ele seja miúdo como um macaco que lhe fez troças, mas talvez não seja. Enganamo-nos com as aparências, mas não há regra, não há premonição. Gosto de dar chances ao acaso e ao que a vida traz.

Às vezes, vejo-o um beija-flor. Faz-me graças com suas asinhas inquietas e logo parte para outras flores. Mas ainda volta para me fazer sorrir. Até quando voltará, não sei. Admirar-lhe faz-me bem. Como um bom livro e um bom perfume, gosto de postergar o prazer que proporcionam, reduzo a velocidade das palavras e economizo nas gotas pelo corpo. Diferentemente de outras vezes em que devorei migalhas com apetite voraz.

A surpresa pode ser a obviedade invisível aos olhos dos viciados na linha retilínea e monótona da vida que os impede de acreditar no improvável. A visão romântica do caminho ou de vôos faz crer no impossível possível. E por que não?! Ou que então decida bater asas e voar longe... Deixo a vida fazer o que ela faz melhor...

"Se as coisas são inatingíveis, ora! Não é motivo para não querê-las. Que tristes seriam os caminhos se não fora a presença distante das estrelas."
Mario Quintana

sábado, 6 de setembro de 2008

Te espero

A I Bienal Internacional de Poesia de Brasília (I BIP) me fez recordar algo de menina. Meus pais não têm vinis clássicos do Led Zeppelin ou dos Beatles, mas têm a jóia Capinan – O viramundo – 21 anos de tropicalismo. Lembro perfeitamente que gostava de ouvir uma faixa específica sentada ao chão e com o vinil na mão. Gostava de me emocionar junto a Capinan ao recitar Te esperei. No decorrer de sua leitura, sentia sua emoção e me emocionava junto como se vivesse o que ali escrevera. Uma pena não poder mais sentir a comoção, mas o LP guardado preserva a emoção.

Te esperei
(Capinan)

Te esperei vinte e quatro horas ou mais
De cada dia que eu vivi
Te esperei mais de sete dias por semana
Sem um só dia te trair
Te esperei mais de nove meses
Sem poder parir
Mais de doze meses cada ano
E te esperava até um novo século surgir
Te esperei na mesa
Te esperei na cama
Olhando as estrelas te esperei na lama
Te esperei bebendo
Te esperei calado
Embriagado e gritando por aí
Te esperei com fome
Te esperei sem nome
Uma vez chorando e outra sem sorrir
Num barraco numa esquina
Te esperei pelo mundo
Te esperei sempre assim
Num buraco sem fundo
Por dentro de mim
Mata derrubada maré poluída
Nas encruzilhadas pelas avenidas
Te esperei no sangue
Te esperei no mangue
Água derramada vida proibida
Hóstia consagrada pena colorida
Te esperei de gravata de luva e sapato
Com todo recato nua e mal vestida
Te esperei toda morte
Te esperei toda vida
No regato no esgoto
Te esperei no mato
o eclipse lunar
No luar neon na escura solitária
No clarão das luminárias
No ponto de encontro
Entre a bela e o monstro
No Raso da Catarina
Na profunda dos infernos
Te esperei nos ases
Te esperei nos ternos
Te esperei na tua
Te esperei na minha
Te esperei Clarice
Te esperei Virgínia
Te esperei tantos marços
E mais fevereiros
Esperei por inteiro e espero ainda
Neste novo janeiro te dar boas vindas

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Minha linda poetinha

Não tarda!

Não sei por que
Escovei os dentes
Perfumei a boca
Pintei os lábios
Se hoje não vou ser beijada!

Vou esperar...
Não perco nada

E vou vivendo
As minhas horas
Limpas
Perfumadas
Pintadas
Com a esperança
De ver chegar
Na boca
De um dia iluminado
O beijo desejado...
Que não tarda!

“Toda nudez será castigada”?

Sinto-me tirando a roupa
Diante de ti...

Se vires as celulites
Dos meus versos acanhados
Disfarça... diz que não viste
Que não viste e está acabado!

Se vires aquelas marcas
De “perebas da infância”
– mostra delicadeza! –
Diz que nunca tinhas lido
Tantos sinais de beleza

Aquele bumbum caído
- versos de flacidez –
Tira os olhos compreende
A nervosa timidez
Da poeta que se mostra
Na sua primeira vez!

Poemas de Tiana Ribeiro do livro Gaveta de guardados

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Envelheço
Ela parece sumir
Mudou de endereço
Mas permanece ali
Ela está sempre lá
Em algum lugar
Não há de me abandonar
Minha impaciência tenaz

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Luluzinhas e suas interrogações

Até hoje um comentário de uma amiga me vem à mente. Ele ressurge de tempos em tempos pela incompreensão que tive da mensagem, assim como não entendi ter saído daquela cabecinha. Uma figurinha, como ela mesma se define, que “foge a todos os esquemas”. E assim ela é, de fato. Com ela convivi mais de sete meses diariamente. Uma santinha encrenqueira por quem tenho imenso carinho, mas que por diversas vezes discordamos enfaticamente sobre os grandes assuntos universais e individuais.

Duas cancerianas típicas, emocionais, apaixonadas, sonhadoras, separadas por uma boa diferença de anos. Eu precisava falar isso porque outra descrição que ela carrega de si mesma é de que é uma “velha”. Bobagem dessa santinha. A velhice está na amargura e na falta de esperança diante da vida, e ela é extremamente doce e auspiciosa para considerar-se velha.

Numa noite, entre delícias de países asiáticos, eu, ela e mais duas cabeças femininas pensantes falávamos sobre o amor, sobre homens. Não com o preconceito que possam imaginar quando mulheres se reúnem, por isso, o “pensantes”. E ela confessou que não se casaria novamente ou que então nem houvesse se casado se pudesse voltar no tempo.

“Há tanto homem interessante no mundo que eu não queria ficar somente com um”, assombrou-nos. Estupefata, perguntei-lhe: “Que raio de lugar é esse onde há tanto homem interessante?”. Rimos, é claro. Rimos talvez porque ela enxergue o que não vemos; ou porque não enxergamos homens interessantes nessa quantidade que ela mencionou; ou porque, se eles existem, eles não nos enxergam; ou porque definitivamente não encontramos um sequer.

E a incógnita permanece... Deixo somente outro comentário de outra querida sócia do clube: “Universo, se vira!”

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Paixões e manteigas...

Ser um bicho apaixonado dá trabalho. Recentemente aprendi a apaixonar-me por palavras, gestos, diálogos, personagens. Não que isso substitua a realidade de um beijo ou de um abraço, mas a inexistência de um busca a existência de outro. Estar à deriva permite essa liberdade, esses encantos, novos amores.

Emoções são o impulso que me faz locomover pé ante pé. Uma canceriana ao quadrado precisa emocionar-se com uma bela atitude, uma doce palavra e surpreender-se constantemente. Do contrário, o tédio se apropria e tudo recebe uma coloração cinza, torna-se sem graça, sem calor, sem vida.

É como aquela manteiga que precisa ir à geladeira para não permanecer mole todo o tempo. Mas há aqueles que a retiram e esquecem de devolvê-la à prateleira refrigerada. E então ela tem de fazer um esforço absurdo para mover-se sozinha e buscar o local mais fresco possível.

É assim… Instantes dura, instantes derretida. Alguém lhe disse uma vez que não tinha medo de montanha-russa como se isso fosse enganá-la. Mas a manteiguinha aprendeu em seus derretimentos que o que se aprecia é aquela estrada longa e reta, sem surpresas, sem buracos; com a temperatura sempre constante. E o engraçado que ela percebeu que a quem isso mais apetece são os transeuntes dos caminhos mais bifurcados e intransitáveis; além de insuportavelmente oscilantes na escala Celsius.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Mãe desnaturada

Duas semanas “cult”, diriam alguns. Por isso, a distância do meu filhote eletrônico, mas fui ameaçada de sua morte por um amigo. Disse-me ele que um blog é como um bichinho, que precisamos alimentá-lo diariamente se não ele morre. Todos os dias é um exagero, disse-lhe. Trabalho, leituras, sociabilidades, lazer. Não há ócio, a não ser aquele dos finais de semana (ou não) em que sono, sede e dor de cabeça resolvem confraternizar num só corpo.

Há tempos não saía tanto de minha toca e absorvia tanta coisa boa, tantas idéias, tanta criatividade. Talvez depois de digerir o excelente, eu consiga elaborar o razoável. Preencher o tempo excedente ao trabalho em sessões de cinema, salas de teatro, em frente ao palco ao ar livre, ao redor do Pátio Brasil, numa cadeira para deliciar um picolé de cupuaçu ou um sanduíche divino, ver uma amiga segurar o canudo e festejar seu diploma, torna o tempo escasso no teclado do computador.

A grandiosidade me apequena e ao mesmo tempo me põe nas pontas dos pés para crescer alguns milímetros. Os últimos dias então foram de ruminação e digestão. E de sonhos... Estive na mesa do Congresso Internacional do Medo, vivi o holocausto que o Stones me mostrou, fui a mulher estúpida e vi os homens canalhas de Acqua Toffana, compus melodias da velha guarda da Portela em O mistério do samba, deliciei-me no norte com o cupuaçu, fui ao céu de mozarela e tomates, descobri a felicidade de saber ser o que sou em Édipo, enlouqueci junto a Lima Barreto em Estação terminal, encontrei meu alterego e quis matá-lo para suportar melhor a vida em Crónica de José Agarrotado... E ainda há tanto para ver, assistir, presenciar, participar, conhecer, aprender, crescer... Tempo, meu “veneno remédio”*.

“(...) Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo tempo tempo tempo
Quando o tempo for propício
Tempo tempo tempo tempo”
(Oração ao tempo – Caetano Veloso)

* A expressão é parte do título de José Miguel Wisnik no livro Veneno remédio: O futebol e o Brasil