segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Que belo estranho dia pra se ter alegria

Semanas atrás, voltei à minha curiosidade com a música brasileira. Dessa vez, conheci um pouco da potiguar Roberta Sá. Tive a oportunidade de vê-la, no ano passado, em uma participação em show em homenagem a Gonzaguinha, mas ainda não conhecia sua história ou seu trabalho.

Em um dia que não me apetecia a introspecção de ler um livro, baixo seu último disco – Que belo estranho dia pra se ter alegria (sim, baixei o disco. Meu modesto salário não comporta que cada conhecimento origine um novo cd, apesar de adorar a idéia). Coloco o cd no carro e ele perdura lá por vários dias.

Encantada, busco também seu primeiro disco, leio sua biografia, faço propaganda a amigos. Poucos sabem me dizer sobre ela ou têm opinião sobre a artista. Descobri a delícia de “descobrir” algo sem alguém ter feito referências ou elogios e eu mesma tecer minha própria idéia sem induzimento de outra.

Considero a cantora no rol de pessoas que me colocam pra baixo, no bom sentido. Com apenas 27 anos, ela tem dois belos discos com participações de grandes como Lenine e Ney Matogrosso. Com repertório de boníssimo gosto, entre suas músicas estão composições de Lula Queiroga, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Pedro Luís.

Uma linda voz, um ritmo gostoso, belas interpretações. A isso se somam sua beleza e simpatia percebidas (ressalte-se, pois posso estar enganada) em apenas uma música no palco do Centro de Convenções de Brasília com Daniel Gonzaga. Sua jovialidade encanta e faz pensar o que virá de tanto melhor ainda pela frente.

Espero que a impressão de discos iniciais se confirme após mais trabalhos e que o Brasil tenha mais uma artista de valor crescente. E que ela venha a Brasília para me presentear ao vivo com o que conheço de gravação em estúdio.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

209 km

Telefone toca
Voz grave
Fala relutante
Parte boa
Parte ruim
O que você acha?
Duas verdades
Dois caminhos
Vida e suas bifurcações
Vida e suas distâncias

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Homem comum

Após haver lido metade de Homem comum, de Philip Roth, dias atrás, numa noite decido retomá-lo. Viajo em suas histórias e me assusto com o passar das horas. Interrompo o deleite como quem toma o brinquedo de uma criança. Já era tarde da noite e o cansaço do dia anterior com o início do horário de verão me fez preferir o descanso às palavras.

Na noite seguinte, recupero as páginas. Uma ansiedade feliz fez-me deitar para lê-lo com o maior dos prazeres. Roth é assim. Você lê na cama sem sentir sono, lê com os chinelos barulhentos da mãe pelo corredor sem perder a concentração, lê tranqüilamente com o som distante das desgraças transmitidas pelo Jornal Nacional que o pai assiste na sala.

Ao faltar umas sete páginas para terminá-lo, fecho a porta. Queria que nada interrompesse ou postergasse o prazer ímpar de descobrir o fim da história. Impacientava-me com o que faria com seus medos e remorsos ou o que eles fariam com ele próprio. Encantei-me de certa forma com o canalha que, idoso, sofre com seus arrependimentos e com o homem que se tornou.

Seu sexo descarado, seu egoísmo assumido, seus arrependimentos doídos, seu amor perdido, são contados de forma simples. A densidade está na história em si e não na costura de suas palavras. No início, uma leitora tem certo pavor de suas atitudes, mas, do meio pro fim, compadece-se de sua dor.

A penúltima linha causa aquele ardorzinho no nariz, como que chamando lágrimas aos olhos. Não queria que assim terminasse ou que, se assim fosse, tivesse mais coisas para me contar. E foi assim que Roth quase me devolveu à livraria para comprar mais um livro seu. Voltei lá, mas não saí com Roth na sacola. Decido comprar outro autor para que a paixão não se enleve e eu possa incluir outros canalhas em minhas prateleiras.

“E ele, pelo resto da eternidade, nunca mais receber os telefonemas matinais dela! Viu a si próprio correndo em todas as direções ao mesmo tempo pela principal interseção de Elizabeth – o pai fracassado, o irmão invejoso, o marido infiel, o filho impotente – e, a poucos quarteirões da joalheria da família, chamando os familiares que jamais poderia alcançar, por mais que corresse atrás deles. ‘Mamãe, papai, Howie, Phoebe, Nancy, Randy, Lonny – se naquele tempo eu soubesse como agir! Vocês não me escutam? Estou indo embora! Terminou, e estou deixando vocês para trás!’ E todos se afastando dele, tão depressa quanto ele deles, viravam as cabeças para trás para exclamar, por sua vez, com vozes carregadas de significado: ‘Tarde demais!’

Partir – a palavra que o fizera despertar sufocado, em pânico, vivo após abraçar um cadáver.”
(Essas não são as últimas linhas de Homem comum)

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Nomes e suas heranças

Mas nome é só um nome. Recordamo-nos das pessoas, às vezes, mais pela alegria contagiante, pela figura taciturna sentada ao lado, por uma gargalhada, por bons e maus momentos vividos juntos, por uma expressão maldita ou bendita, por uma viagem, por confidências trocadas, por um abraço na hora certa, por uma foto amarelada. Não sei porque me ligo em um nome...

Mas percebo que dou importância às pequenas coisas. Muitas pessoas têm o costume de imaginar nome dos filhos antes de pensar em tê-los. Mas eu não tenho lista dos nomes pretendidos, tenho a lista dos nomes “incolocáveis”.

O costume que eu tenho, então, é o de que um nome transmite, o que ele me lembra. Se dor, sofrimento, traição, desgosto, mentira, esperteza pequena e barata, desses indignos um filho meu jamais herdaria a carga negativa em um nome. Não poderia chamá-lo de uma forma que traria à memória coisas ruins, lembranças dolorosas, pessoas desgostosas.

Mas, como sempre disse, não penso em ter filhos. Em alguns, encontro salvação. Neste caso, em Machado de Assis: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. Ou, quem sabe, o dia que eu tiver extirpado a miséria de meus olhos, eu venha a pensar em nomes pretendidos...


Vó Rita e Ana Rita

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ana Rita

Que agradável surpresa a que encontrei nesta segunda-feira! Sempre brinquei de padecer de nunca meu nome haver sido cantado, escrito, declamado, declarado, em músicas ou livros. Encontrava-os separados, jamais unidos.

Hoje, ao receber o link de uma interessantíssima revista eletrônica, deparo-me com o conto Ana Rita, do poeta angolano João Tala.

Uma apreensão me fez guardá-lo para ler sozinha a história. Senti um alívio por gostar da escrita, apesar de não apreciar o desenvolver dos acontecimentos e o fim nada conto-de-fadas ou, no mínimo, esperançoso. Ainda bem que somos Ana Rita apenas no nome, no apelido, na paixão e no sorriso.

Pelo menos agora posso dizer: “Existe, sim, uma história com meu nome”. E que, ao contrário da Ana Rita contada, minhas opções não sejam sempre agravadas por azar e, sim, que meus olhos continuem sorridentes como os dela e que, desculpe João Tala, jamais seja tarde para recomeçar.

Fragmentos de Ana Rita

“– Ana Rita, quanto tempo já nos comeram – disse-lhe ansioso de ouvir de novo o timbre agudo da sua garganta; tinha voz receosa, talvez cautelosa. E sofrimento.
Respondeu-me finalmente, agora fazendo sobressaltar a voz.
– Tem muitos anos, nos conhecemos. Aonde estavas durante essa vida em que nos puseram fogo? – disse, a sua linguagem é o retrato da guerra.
...
Então. Restou aqui fora aquele sorriso que nem velhice consegue riscar, num rosto que perambulava aí, no susto das épocas que degradaram nossos semblantes – como se vê, pessoas ainda assustadas, esquinadas na espera de qualquer coisa que vem aí, ninguém sabe o quê, mas qualquer raiva de novo a deflagrar de nós próprios. Aliás, sempre fomos assim, não tem conversa.
...
Contaram-me tudo o que aconteceu com esse amor desaparecido, a Ana Rita.
...
– Eu me desgastei. Onde tu estavas enquanto eu aqui me desgastava de todas as dores?
– Ana Rita, ouça-me: nunca um homem pode ser tanto. Ninguém desgasta à toa mulher que seja.
– Nunca mais vou sentir a dor de uma voz. – Ironizou, era uma crítica à minha ausentada vida enquanto ela procurava...
– Eu procurei o teu nome... vai estar sempre perdido como ninguém. – Finalizou desesperançada. Afinal nem conhecia meu nome...”

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Mallu tchubadubando

Como boa entediada do dia-a-dia, costumo levar a Bravo! para o trabalho quando, além do marasmo, o mundo decide parar por uns instantes. Decidi não ler a revista em ordem, pulei logo para ler a matéria sobre uma molequinha que faz sucesso em plenos 16 anos. Estava curiosa com o que ela tinha a oferecer musicalmente ao mundo em fase tão pueril, pelo menos assim me sentia em sua idade.

Suspeitei que pudesse ser boa coisa devido às dez páginas que lhe foi dedicada. Uma vida interessante, em que subiu degraus de forma bem rápida se comparada a outros músicos, como, por exemplo, o meu admirado e querido Lenine. Depoimentos de gente grande fizeram minhas suspeitas penderem cada vez mais para o lado positivo.

Talvez não satisfeita e talvez incrédula, entro no site da revista e encontro um espaço reservado a ela, com clipes, áudios e fotografias. Sua voz me chama a atenção pela certa maturidade, pelo bom tom, pela suavidade. Em Noil (lion ao contrário), a sua mais cotada música do cd segundo dizem, percebe-se talvez uma dor expressa numa voz forte contrastada com sua doçura.

“... Mallu sempre se considerou um ponto fora da curva. O patinho feio da turma, com opiniões e gostos difíceis de compartilhar”, diz a matéria. No clipe de J1, ela canta “I’m weird, i’m sou strange”. Mallu Magalhães: uma estrangeirinha em ascensão, que encanta os nativos e que provavelmente surpreenderá muito a muitos, como a mim.

Surpreenda-se! Ou não...

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Efeitos colaterais da literatura

Em uma mesa de bar, ouvi que se adoraria ler Dostoiévski, mas que foi aconselhada a não fazê-lo. Não era um papo cabeça regado a copos de cerveja. Era um papo entremeado de inúmeras risadas e intimidades que se começa a falar entre amigos e após certo grau etílico. A interrupção ocorreu quando Faraó, o famoso vendedor independente de livros em bares de Brasília, chegou com a sua pilha de obras.

Antes do escritor russo, a primeira interrupção foi a conclusão de alguns: “Ele (Faraó) sempre traz Nietzsche em cima”. Ri porque não havia atentado para o fato mesmo vendo a coleção de livros toda as vezes que sento em um bar. Não foram e não são raras as oportunidades que o bolinho chega ao lado.

Voltando a Dostoiévski, com toda a indiscrição e todo o susto, perguntei-lhe por que a haviam dito para não lê-lo. “Ele me disse que dá depressão”, confessou. Não me contive, ri e recomendei-lhe justamente o contrário. Para encorpar minha pífia opinião, disse que procurasse qualquer lista das melhores obras já escritas em todo o mundo. Certamente, Crime e castigo está em todas.

Crime e castigo foi o segundo livro que li “obrigada” e que me apaixonei. Depois dele, li Memórias do subsolo, Noites brancas; e O idiota aguarda pacientemente a sua vez. Como alguém pudera dizer que Dostoiévski deprime seus leitores? Deduzi que há deprimidos demais no mundo. No entanto, também inferi algo perigoso sobre os homens. Associei os seres do sexo masculino aos governos de países atrasados como o Brasil. E a conclusão a que cheguei é a de que homens/governantes apreciam mulheres/eleitores dóceis, sem muitas perguntas, sem muita leitura, não somente para não questioná-los, mas para também não haver riscos, competição, no caso dos homens.

O perigo, acredito, que possa advir com demasiada leitura é o ceticismo. Leitores contumazes tendem a não acreditar em nada e, portanto, a duvidar de tudo. Essa foi outra dedução que acompanhada de uma amiga tivemos nos intervalos que fazemos durante o expediente. Mas esta inferência foi particularmente relativa a Nietzsche. Então, cuidado, leitores, vocês podem se tornar seres irreversivelmente incrédulos e, segundo outra opinião, seres deprimidos irrevogáveis.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sentir falta…

Sinto falta de Borges após ler Roth. Assim como senti falta de Machado ao ler o escritor argentino. Sinto falta das visitas ao dicionário, da exigência de concentração, da criatividade fantástica.
Sentia falta de ter alguém para dividir o dia-a-dia. Sentia falta de companhia nas tardes e madrugadas dos finais de semana, sentia falta de ter alguém para ligar, sentia falta de ter alguém para sentir falta. Agora sinto falta do que tinha antes de ter alguém. Sinto falta do tempo largo para sentir falta. Minha vida é um eterno sentir falta e acostumar-me, sentir falta e acostumar-me, sentir falta e acostumar-me…

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Rimas contínuas

Passam os anos
Mudam os planos
Novas viagens
Velhas tatuagens
Outros personagens
Some um rosto
Com ele o desgosto
Novo horizonte
Felicidade, uma ponte

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Salve, dia da independência!

Há um mês decidi dar uma chance aos acasos da vida, como de costume. Como um relâmpago que rasga um céu azul ensolarado surge uma nova pessoa. Um susto como que semelhante aos ocasionados pelos fenômenos temporais que, após o medo, trazem a chuva branda, que acaricia e alimenta sentimentos enterrados. "Oi, tudo bom?", fotos com amigos e uns passos de samba no meio da madrugada transformaram-se, três semanas depois, em uma nova história. Uma peça sobre Mario Quintana e uma festa anos 80 foram o prenúncio desencontrado de um novo enredo que aniversaria hoje. Eu fui à peça. Ele foi à festa. Num sete de setembro, fomos juntos ao show de Moraes Moreira. Num sete de outubro, fazemos planos. Parabéns, minha nova história! Salve, dia da independência!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Quebra de rotina

Bom dia, meus olhos pequeninos. Carro. Posto. Calibrar pneus. Buscar amigos. Carro cheio. Estrada. Parada em pequena cidade. Cerveja, suco. Mais asfalto. 120 km/h. Risadas. Bem-vindos a Pirenópolis. Malas. Pousada. Andar a pé. Almoço. Muito almoço. Tarde na piscina. Cerveja. Banho. Pizza. Noite. Noite mal dormida. "Estou sem sono". Calor. Ventilador. Amor. Sol invade a janela. Amor. Pão, queijo e presunto. Carro. Cachoeira. Água gelada. Fotos. Muitas fotos. Calor. Fome. Almoço. Banho. Carro. Brinde. Estrada. Parada. Corumbá. Estrada. Música. 60 km/h. Abraços. Malas. Lanche. Beijos. Carro e motorista. Casa. Calor. Banho. Ventilador. Cama de solteiro. Bom dia. Carro. 60 km/h. Trabalho…

P.S.: Quando os amantes dormem

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Carta confessa

Caro anônimo,

Não me faças crer que o mundo é meu. São tantas as sequóias que um ponto de um raio de luz não se percebe cá embaixo. Olho para o alto e vejo tanta altura, tanta robustez. Aqui, entre gamíneas, sinto-me igual, crescendo junto, e, mesmo entre elas, há os capins que crescem instintivamente, ininterruptamente.

Não me conheces, não sabes quem sou. Não entendes meus medos ou minhas angústias. Sei que devo enfrentar e adubar-me, mas isso requer tempo. Preciso encher a mala que carrego. Preciso senti-la pesada para ao menos encorajar-me de cutucar a árvore ao lado.

Não sei para onde ir. Minhas raízes são tão presas ao solo que parecem uma precaução, um aviso, um cuidado da terra para não deixar-me ir. É como se o chão soubesse quem deve subir aos céus ou não. E, então, sinto que ele me quer perto, para não querer ir mais alto do que alcanço.

Sei também que devo seguir meus próprios instintos. No entanto, sua linguagem me é ininteligível. Numa hora, dizem: coragem. Noutra: cuidado. Tenho os joelhos ralados de teimar ir mais rápido do que devo ou andar por onde me atrevo. Mas certamente um dia reconhecer-me-ei entre sequóias e gramíneas porque, como cantou Cazuza, eu (também) mereço um lugar ao sol.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Farpas inflamáveis

Falta de confiança. Acredito que nunca me demorei muito em pensar sobre isso. Talvez achasse que bastasse acreditar em mim mesma e não me importaria com o resto, que não acredita. Mas não, ela incomoda. Parece aquela minúscula farpa na bochechinha de um dos dedos. É uma coisa pequena, que chateia, e que, se não cuidada, inflama.
És farpa ou infecção?