quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Vida e trabalho

A vida é trabalho
Resta algum tempo?
Não se sabe dizer
Não existe outra vida
Não há conversa
E quiçá
Um dia dirá
– Eu devia ter trabalhado menos
– Vivido mais
Porque a vida não é só trabalho
É o que se faz além e ao mesmo tempo

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Laboratório dos ceús

Penso se aqui na Terra não seria um laboratório dos céus. Nós seríamos os ratinhos brancos manipulados por cientistas-deuses malucos. Já pararam para perceber aqueles seres andando em cima de esteiras numa academia? Não são semelhantes aos roedores que vemos dentro de gaiolas correndo desnorteados numa roda? Quer prova maior que isso?

Já fui uma ratinha, branquinha eu continuo, dessas de laboratório que andam em esteira. Talvez eu tenha evoluído porque não suporto mais aquele chão que anda sem que nós mesmos o iniciemos ou paremos. Minha promoção não foi lá essas coisas, talvez tenha me transformado num anfíbio de laboratório porque descobri paixão pela água. Prefiro as piscinas com águas que se movem naturalmente.

Outra coisa que me faz associar os bípedes, nós, aos animais de experiências são as coisas que dizemos e/ou pensamos. Freqüentemente, para não dizer sempre, me ocorre algo que desgosto, então falo ou penso e... Abracadabra! Como num passe de mágica, pago literalmente a língua e vivo exatamente aquilo que disse ou pensei levianamente. É como se existisse o deus-gênio-da-lâmpada, mas sem que nós saibamos que era um desejo, era apenas um desabafo pessoal.

O que me inquieta, no entanto, é que o que mais de sério digo, penso, sonho, desejo, imploro, não ocorre. Será que é por que de tamanho peso, o intervalo entre o pensável e o realizável é maior? Que isso requer trabalho não só de cientistas-deuses malucos e deus-gênio-da-lâmpada? Ainda preciso descobrir como isso tudo funciona.

São muitas provas que existem. É só parar para observar. E são tantas que enlouqueceria em transcrever. Não que eu esteja louca, ao contrário, buscar razões ou explicações são o que me faz lúcida. Já desconfiava o porquê de psicólogos não me atenderem por muito tempo. Antes que eles perguntassem, eu soltava um “acho que isso é porque...”.

Há um deus que vejo muitos sonharem em um grau maior que outros. Ele já inspirou diversos filmes, mas evito ter devaneios. É o deus-máquina-do-tempo. Imagine se pudéssemos voltar no tempo e mudar nossas escolhas? Parece simplesmente uma maravilha, mas imensamente perigoso. E se nossas segundas decisões fossem ainda piores que as pioneiras? Mmmmmmm... Difícil saber se não existir o deus-bola-de-cristal.

E uma coisa da televisão me fez pensar. Je n’aime pas beaucoup regarder la télévision, mas há coisas nela para as quais reservo meu tempo. Ontem, num programa, uma personagem disse que era da forma que era porque, bebezinha, lhe punham um babador com os dizeres: “as boas vão pro céu, as más vão para qualquer lugar”. Ela não é lá dessas pessoas muitas boas. Então lembrei-me de uma foto minha bem pequena em que eu estava engatinhando com os dizeres na fralda: “Sô da titia”.

Ui! Será que até assim pagamos a língua pela roupa que usamos involuntariamente quando ainda somos pequenos fantoches? Ok... Já me imaginava mesmo ficando pra titia anos atrás. Então, se um relacionamento termina, penso logo numa estante cheia de livros que serão lidos enquanto casais se acasalam e procriam, em vários tickets de cinema que se acumulam na carteira para só depois de deformadas serem jogados fora. Mas ainda assim a idéia de solteirice-coroa não me apetece.

E, pensando nesses deuses, ratos de laboratório, roupas infantis, pagamentos de língua, dirijo meu carrinho de laboratório, ligo o rádio e... “Esse papo já tá qualquer coisa, Você já tá pra lá de Marraqueche”. Será que existe o deus-caetano? Será que esses deuses podiam ser mais claros?

Se assim ocorrer, está aqui a prova:

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Síndrome do saco-cheio

Imagino dentro de mim um saco. Desde quando? Desde sempre. Pode ser um saco de um plástico bem fino ou de um material espesso, pode ser pequenino como um saquinho onde ficam os talheres de restaurantes ou grande como aqueles sacos de lixo, pode ser elástico ou não suportar o menor aumento de peso. Esse é um saco que carrego dentro de mim e que a cada momento possui características próprias.

Especialmente neste momento, que dura umas três semanas, o saco parece romper inicialmente ao barulho de um aparelhinho que deixo ao lado da cama e que me desperta para mais um dia como todos os dias. Durante o dia, ele esvazia como na respiração que se faz debaixo d’água nas aulas de natação e incha como aqueles balões que as crianças enchem até estourar.

São as minhas formas que se arredondam e transformam-me numa grande almofada de 1m68 (ou 1m67 como eu descobri há duas semanas); é a previsibilidade do dia-a-dia acompanhada de sua rotina inseparável; é o trabalho mecânico realizado por sete horas em frente ao computador; são privilégios a poucos e deveres a muitos; é um sonho que estava ao lado e se distanciou 209 km; é uma viagem que se planeja, mas que não se adapta ao período disponível. Não se engane, essa não é a famosa TPM.

Sou alucinada em descobrir a cura para o saco-cheio. Encontrei subterfúgios para evitar que o saco se alimentasse, mas descuidei um segundo e as armadilhas não mais funcionam. É o famoso tempo que me faz recolocar uma válvula para impedir o efeito sanfona. Mas, às vezes, os remedinhos, falsificados ou genéricos ou vencidos, teimam em não colaborar.

Indisposição para qualquer coisa é seu sintoma mais grave e o principal indicador de ser portador da síndrome. No entanto, não se assuste, ela é temporária. E não se aperreie, pois ela pode durar algumas horas ou vários dias. A abstração é a grande fórmula para combater o saco-cheio, mas, a depender da quantidade de ingredientes que entram no saco, ela se torna incapaz de algum resultado.

Então, é esperar, esperar, esperar, e até o esperar enche o saco, mas persevere, espere, espere, espere e, de repente, não mais que de repente, o saco volta ao seu equilíbrio. Mas fique atento para prolongar o maravilhoso estágio de não estar com o saco cheio e sonhar com o dia que ele jamais se encha novamente.

Ana Rita adverte: saco-cheio faz mal à saúde. Se os sintomas persistirem, tenha paciência!

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

C’est la vie

Uma imagem persiste no filme da minha mente desde a infância. Era um dia da semana, por volta das 19h, depois de sair da Escola Santo Antônio. Sentada no Tacho para comer algo que somente quando se é pequena não se engorda, paro, por um instante, para observar uma mulher que passava. Vestida com camisa, saia na altura do joelho, meia-calça e scarpins, logo após sair do expediente, ela fez-me imaginar como eu seria daqui anos.

Perguntei a mim mesma se seria bela, independente, segura, tranqüila, realizada, como ela projetava. Respondia afirmativamente, pois, em minha vã, curta e pequena filosofia pueril, achava que todo adulto se tornava assim. Por anos, não me preocupei com os anos que se passavam. “Serei adulta. Tudo virá, tudo se arrumará”, eu devia pensar.

Viajei e viajo até hoje a partir daquela imagem. Se, por momentos, me tranqüilizo, é porque acredito que a maturidade ainda virá. Se, por momentos, me agonizo, é porque concluo que a maturidade já chegou e não me vejo como aquela mulher ou porque, se ela ainda não chegou, parece tão distante que eu me transforme no que sonhei.

Costumo dizer que tenho inveja de quem, na infância, afirmava com a maior certeza: “eu quero ser tal coisa quando eu crescer”. Recordo-me somente de um dia, sentada próxima ao portão do colégio esperando meus pais me buscarem, quando fui questionada por um pai de algum coleguinha: “O que você quer ser quando crescer?”. E eu respondi: “Serei juíza”. Cresci e me tornei jornalista.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Breves despedidas

Ver alguém se voltar para se despedir é algo que me encanta. O simples gesto em si. Não espero que, ao seguir seu caminho, com tanto pela frente, simplesmente gire o rosto para acenar e mandar um beijo. E, então, quando me deparo com os olhos a olhar novamente os meus, o sorriso é instantâneo. E, mesmo após os dois seguirem seus caminhos, o sorriso persiste. Um sorriso com o qual não vejo nada à frente a não ser a lembrança doce do corpo que se volta para me olhar e me beijar mais uma vez. Encontrar e desencontrar permitem o prazer ímpar tão fugaz e ao mesmo tempo tão memorável.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

[7] Preguiça

Pingos de chuva tilintam na janela
Um bom filme passa na tela
Braços em abraço
Nem um só passo

* Ela, ela e ela também pecam

sábado, 15 de novembro de 2008

[5] Luxúria

Quero-te a todo instante
Na cama ou na estante
De desejo torno-me viva
E deixo de ser cativa

* Ela, ela e ela também pecam

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

[4] Orgulho

Envaideço-me do pouco que faço
Regozijo-me do pequeno passo
Facilmente me desfaço

* Ela, ela e ela também pecam

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

[2] Ira

Brado aos quatro cantos
O silêncio a que me impus
Do ódio que se apossou
E para sempre me calou

* Ela, ela e ela também pecam

terça-feira, 11 de novembro de 2008

[1] Gula

Como pelo imenso vazio
Para preencher o insaciável
Como um terreno baldio
Jamais habitável

* Ela, ela e ela também pecam

Livro quieto, leitora inquieta

O livro no mesmo lugar. Pernas que não sabem onde levar. Corpo que antes se aquietava em concentração, agora se agita sem saber qual norte seguir. O dia era curto. Agora, suas lentas horas são combatidas numa corrida ao alcance de respostas. Aproximação de fim de ano, surgimento de uma distância, insatisfação incontralada, desejo de mudança generalizada. Descuido que permitiu o retorno da ansiedade inerente. Novo cuidado que descuidou do anterior.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Diálogo demasiado

– Por onde anda que não sabemos mais de você?, perguntaram-lhe.
– Estou ocupado demais sendo feliz!, respondeu alegremente.

Dias depois...
– Estou ocupada demais sentindo saudades..., pensa ela agora.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Cartola: música e poesia para a vida

Perdi de ver Cartola – Música para os olhos, de Lírio Ferreira e Hilton Lacerda, no cinema. Posterguei o filme até que encontrasse o dia perfeito, mas esqueci-me de que as películas brasileiras permanecem em circuito muitíssimo menos tempo. Procurei DVD, mas tampouco o encontrava. Um dia, finalmente, vejo a capa com sua foto preto e branca, de perfil e cabeça baixa.

Não perguntei o preço. Alguns motivos me impediram de vê-lo logo em seguida. Mas, em um domingo em que o Brasil parou para assistir a Felipe Massa correr em Interlagos ou para homenagear pessoas queridas no Dia de Finados, eu parei para conhecer mais do maior nome do samba. Um amor antigo que desconheço quando exatamente começou.

Angenor de Oliveira, conhecido como Cartola, é um dos artistas que ocupam o topo da minha pirâmide alimentar; é minha fonte de energia, alegria, admiração, respeito, veneração. Ouvir Cartola me transporta a outro mundo, é fechar os ouvidos para os ruídos de fora. É acreditar que se é grande sem ter (fisicamente, materialmente) nada. É a voz que dá um recado, é a melodia que abre um sorriso, é a letra que faz pensar, é a música da dor e do sonho.

É uma pena que o filme não signifique tanto ou que não revele com mais precisão a grandeza desse poeta que fundou a Estação Primeira da Mangueira. Mas vê-lo com Zica, com seu pai, com seu violão, com seus óculos grandes a esconder os olhos de um rosto delgado, são imagens preciosas para quem somente conhecia suas feições por fotos.

Falar de Cartola é não saber falar dele; é recomendar que se conheça, que se ouça, apenas. Aquele que não gosta, eu prefiro não saber.

“Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés

(O mundo é um moinho, Cartola)