quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Memórias de velhos tristes

A leitura de Memória de minhas putas tristes é deliciosa. Havia imaginado García Márquez complexo, mas os olhos passam por suas palavras sem precisar de retorno. Não me envergonho de minha ignorância porque contra ela há o prazer ímpar de viver várias vidas, conhecer palavras, descobrir mundos inesgotáveis.

Vi no "sábio triste" de García Márquez o Homem comum de Roth. E, por um momento, alegrei-me por não conhecê-los anos à frente. Em alguns instantes, inquietei-me com sua frustração, estagnação; ausência de vida, de amor; preferência pela ilusão à realidade. Sem desistir, ele apazigua, e, no fim, ele acalenta com sua busca.

Numa coincidência das duas leituras, enxerga-se a contemporaneidade: "O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança". E ao encontrar uma ex-companheira de cama, o "sábio triste" ouve de Casilda Armenta: "não vá morrer sem experimentar a maravilha de trepar com amor".

Tantos anos, ou melhor, tantas décadas, como conta a idade o personagem, servem também para acalmar sonhadores e os que têm "joie de vivre" como norte. Mas mesmo com muitas alegrias a vir por um século, assim como ele, "não trocaria por nada neste mundo as delícias do meu desassossego".

E que venham Cem anos de solidão.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Domingo nostálgico

Num domingo depois do trabalho e o almoço ainda em vias de preparo, sento em frente ao computador para dedicar atenção a algo que devia há alguns dias. Era a música que um amigo querido (e distante) havia enviado por e-mail. Podia tê-la ouvido assim que a tivesse recebido, mas tenho uma mania de reservar às coisas boas da vida uma atenção especial. Não queria ouvi-la com pressa ou imbuída de apatia.

Para tornar o restante do dia mais agradável, abro o e-mail, faço o download da música, aumento o som e deito os ouvidos no teclado. O violão e a voz que junto a outras cordas e outras vozes fizeram parte de inúmeras reuniões em casa em tempos atrás, tempos esses mais fáceis, sem tantas preocupações e tão inesquecíveis. Tempos em que nos víamos diariamente.

Antes, rock’n’roll. Hoje, bossa-nova. Antes, todos os dias. Hoje, raros encontros. Antes, passado. Hoje, presente e futuro. Amigos de afeto indubitável e amor ad infinitum.

Hoje

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Um brasileiro em Berlim

No que se prenuncia início da minha morte semanal, recebo de volta meu Roth e tenho como empréstimo um livro de crônicas de João Ubaldo Ribeiro. Eu e uma das bibliotecas com quem trabalho conversamos geralmente sobre hábitos literários, entre outros assuntos, e uma vez confessei que nunca havia lido esse baiano de voz grave que mal se entende o que fala numa entrevista televisiva.

A fim de descobrir outros mundos, imponho-me um livro de cada autor, pelo menos intercalado. E minha curiosidade sobre Ubaldo aumentou ao ler uma matéria em que falava de seu novo livro e ao concordar com ele sobre os “problemas” da reforma ortográfica.

Então, aceitei o empréstimo, um tanto a contragosto porque gosto de ter os livros que leio, para sublinhar os trechos que me apetecem ou mesmo voltar um dia para reler algo (e eu volto mesmo). E para não embarcar no tédio invariável da segunda-feira, de uma semana que saberei longa devido ao plantão, preparo-me com travesseiros para o deleite inaugural.

Ubaldo é a simplicidade das palavras, é a comicidade em atos banais, é atinar para o “amanhã” brasileiro, é leve e divertido, é uma deliciosa indicação para sobreviver aos dias em que tudo parece meio cinza. Um brasileiro em Berlim faz-nos lembrar como é bom ser brasileiro, como é bom sermos alegres e solidários, como sabemos rir de nós mesmos, como é bom ser Brasil mesmo no primeiro mundo.

Obrigada pela salvação, Ubaldo!

“No Brasil, muitas vezes me queixo de que as pessoas falam alto demais, se olham, pegam, esfregam, abraçam e beijam demais. Já aqui, sinto uma espécie de privação sensorial. Penso em Montaigne, que, se não me engano, escreveu que o casamento é como uma gaiola: o passarinho que está dentro quer sair, o que está fora quer entrar. Acho que isso pode estender-se a tudo na vida, porque hoje, particularmente, eu gostaria, de ter voltado para casa com a sensação de que alguém na rua me viu, e fiquei com saudades de casa”.
(Pequenos choques – quatro anotações de um visitante distraído)

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Avessos e direitos

Sinto que vivo dois dias da semana. Nos outros, estou morta ou hiberno de olhos abertos. Perdi o hábito de acordar e logo depois espiar para ver se o céu está azul. Se ele está nublado, não faz mais diferença de segunda a sexta-feira. O máximo que continuo a fazer após verticalizar o corpo é acariciar e alimentar minhas duas alegrias diárias.

Com os pés fora de casa, sigo os dias no embalo, na inércia, no piloto automático. É como se eu estivesse castrada, estéril, e só voltasse a me sentir viva, jovem, nos dias que demoram uma eternidade para chegar e terminam num piscar de olhos. Intervalos entre paradoxos, avessos e direitos.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Caraminholas

Depois de quatro dias na presença da companhia que me disse uma vez "eu escolhi você pra mim", adoeço. A volta à realidade desta vez se transformou em fraqueza no corpo, sensação incômoda ao mexer nos fios do cabelo, dor na garganta. Havia estado bem e disposta por todos os dias até acordar na minha cama, sem ele ao lado para pular em cima para desejar bom dia, além de um dia inteiro de trabalho pela frente.

Raramente isso me ocorre, quer dizer, raramente fico doente e, se fico, no dia seguinte volto ao meu estado normal. Desta vez, pelo segundo dia, sinto os pêlos arrepiados o tempo inteiro, pernas que se negam a andar e uma cabeça que pesa uma tonelada. Fico a pensar se permanecerei assim até tornar a encontrá-lo… Então abro um sorriso como se ouvisse ele a me dizer: "pára de ficar ‘caraminholando’ sua cabeça".

Mas o sol arregalado em despedida parece levar embora também o meu mal-estar. Talvez tenha sido proposital, uns instantes concedidos para trazer calmaria, descanso, sono; coisas que normalmente não tenho. Mas as caraminholas me disseram que a saudade dói...

“Saudade, meu filho, é dormir com dois travesseiros para o corpo não doer pelo excesso da cama.” (Fabrício Carpinejar)

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O visconde partido ao meio

Como me tudo, ou quase tudo, é tardio, descubro que o fantástico também é literatura. Penso que era, e ainda sou, à imagem e semelhança do narrador de O visconde partido ao meio de Italo Calvino: “Às vezes a gente se imagina incompleto e é apenas jovem”.

Então, na minha incompletude ainda maior, pressupunha que um bom livro devia ser pesado, reflexivo, dramático, sofrido. Não à toa meus escritores preferidos eram; ainda são, mas somados a outros; Dostoievski, Clarice e Rawet.

Numa busca sem alvo, disparei os olhos para a leitura e desvirginei-me para autores que, se até ontem tocasse em suas páginas, poderia não passar do primeiro capítulo. Mas, calma e divertidamente, esses homens ilustres me conquistaram.

O último desses cavalheiros e que me levou a um segundo encontro foi Italo Calvino. As metades do nobre bombardeado por um canhão entretiveram-me, sem serem fúteis; puseram-me a refletir, sem me causarem insônia; encantaram-me, sem me aprisionarem.

Há quem possa ser metade, há quem possa encontrar metades. Mas, principalmente, há quem possa ser uma metade temporária. Como diz Pamela, “cada encontro de duas criaturas no mundo é uma dilaceração”. E, no fim, a união dos pedaços pode nos tornar menos incompletos, menos divididos, menos incompreensíveis; assim como a costura de Mesquinho e Bom tornou Medardo di Terralba “nem mau nem bom, uma mistura de maldade e bondade”.

A quem se conte superficialmente o enredo, vê-se uma testa franzida, o olho deslocar-se ao canto, um leve movimento do rosto. Atire o primeiro Calvino quem nunca teve fantasias e quisesse transformá-las em realidade. Ou, pelo menos, em páginas...

“Ó, Pamela, isso é o bom de ser partido ao meio: entender de cada pessoa e coisa no mundo a tristeza que cada um e cada uma sente pela própria incompletude. Eu era inteiro e não entendia, e me movia surdo e incomunicável entre as dores e feridas disseminadas por todos os lados, lá onde, inteiro, alguém ousa acreditar menos. Não só eu, Pamela, sou um ser dividido e desarraigado, mas você também, e todos. Mas, agora, tenho uma fraternidade que antes, inteiro, não conhecia: aquela com todas as mutilações e as faltas do mundo. Se vier comigo, Pamela, vai aprender a sofrer os males de cada um e a tratar dos seus tratando dos deles.”

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Descoberta leninística

Diante de tanta beleza ouvida, lida, trocada, perdi a inspiração. Talvez porque precise ler, ouvir e trocar mais; talvez porque dezembro me consumiu em confraternizações, presentes e trabalho; talvez porque não tenha dedicado tempo a refletir na escrita a cabeça que não pára (aqui não respeitarei a famigerada reforma ortográfica e quiçá me rebele, em meu blog, friso).

No entanto, especialmente hoje, quero falar de uma descoberta que me segurou no carro. Enquanto organizava os CDs da estrada do mês passado, de repente ouço a voz inconfundível do meu músico preferido. Lenine cantando um samba. Obviamente, me detive com os discos na mão e escutei-a até o fim, atenta para a voz, a melodia, o ritmo.

Encantada, subo com o passo acelerado cantando “estrada de quatro sentidos...” para descobrir logo esse novo trabalho. Indignada com o desconhecimento, sento à frente do computador. Rapidamente descubro a música, me deleito com a letra e busco uma forma de ouvi-la novamente. Que maravilha a internet! A agonia de ver 1%, 29%, 50%...

Antes de ouvir o cd, tenho convicção de mais um trabalho de excelência desse galego de rosto largo e corpo delgado que tanto admiro e acompanho.

“Só tenho flores pra jogar... Lenine!”:*

4 horizontes
(Música: Lenine / Letra: Pedro Luís )

É que no fim da estrada
Eu vejo quatro horizontes
Há mar
Há montes de histórias
Mistérios
Sedes distintas

Aquilo que te sacia
Pra mim é um três por quatro
O que retrata meu medo

Pra você não tem segredo
O que pra ti é degredo
Pro outro é porto seguro
Seu furo de reportagem
Pra nós é mera bobagem

Viagem sem paradeiro
Nos faz tão perto e distantes
Depois da minha chegada
Sua partida, seu antes

Estrada de quatro sentidos
Encruzilhada de destinos
Quanto mais flor mais mulher
Quanto mais velho mais menino


*Palavras ditas por Elba Ramalho ao convidar Lenine para cantar Lá e Cá em O Grande Encontro 3


2008

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

$$$ Moderado

Perguntei-me hoje: por que as pessoas gostam tanto de ir ao shopping? Após o expediente, decidi dar uma volta para, se possível, presentear a mim mesma após regalar familiares e namorado, além de me permitir sair um pouco do eixo casa-trabalho trabalho-casa. Pensei que, passado o Natal, o inferninho do consumo pudesse estar tranquilo (maldita reforma ortográfica), mas engano meu.

Daí pensei: férias das crianças, cidade dos servidores públicos. Mas não havia tantas crianças. E há tantos servidores assim? Se fossem, o que fariam em Brasília numa época desta com um vencimento generoso? Desempregados não deveriam ser, se não por que estariam pensando em compras? Ou tantos assim têm o horário diferenciado com o meu? E a crise? Será que somente eu me preocupo em ser afetada por ela?

A questão é que não comprei nada, tampouco consegui imaginar respostas para a superlotação de lojas, corredores, estacionamento. O lado bom é o alívio da não-compra e a lembrança das contas que virão na segunda semana de 2009. E ainda tem a crise...