sexta-feira, 5 de junho de 2009

Preciso dizer alguma coisa?! :-)

Lenine e sua flor chegam a Brasília

Ana Rita Gondim

“Só tenho flores pra jogar...” Dessa forma, Elba Ramalho chamou ao palco seu convidado especial para cantarem juntos Lá e Cá no CD Grande Encontro 3 (2000). O artista solicitado era o cantor, compositor e produtor pernambucano Lenine. A cantora paraibana é tida como sua madrinha no meio musical por ter sido a primeira a cantar uma música de autoria do artista. Para ele, ela foi uma “poderosa janela”, assim como para uma geração de artistas. E é com nome de flor que Lenine faz nesta sexta-feira, no Centro de Convenções, o show homônimo de seu oitavo e mais novo disco: Labiata.

Apaixonado por orquídeas, prazer que cultiva e coleciona há nove anos, a escolha da espécie para nomear o novo trabalho foi, segundo ele, totalmente passional. Primeiramente, pela sonoridade da palavra e, depois, para reverenciar o latim que descreve a flor brasileira. Além disso, relacionar a música com outra paixão sintetiza a particularidade do disco. “Também levei em consideração por se tratar de um projeto que tem uma característica muito evidente que é a intimidade porque me cerquei só das pessoas muito próximas pra fazer todo o projeto. Eu optei também por reafirmar esse tipo de intimidade e escolhi um nome de uma paixão minha, que são as orquídeas”, explica o músico de sotaque forte.

A intimidade de que Lenine fala, além das letras das novas composições, foi a continuação da presença dos parceiros de trabalho desde o início da carreira, como Lula Queiroga, Bráulio Tavares, Ivan Santos, Carlos Rennó, Dudu Falcão, Paulo César Pinheiro e Arnaldo Antunes. “Na verdade, eu sofro desta alta fidelidade há muitos anos. É uma doença maravilhosa de estar só com os muito próximos. E nesse disco eu levei isso até as últimas consequências. E os parceiros são os meus desconfiômetros, essas pessoas estão comigo ao longo de 30 anos que estou por aí”, enaltece.

Além disso, a banda que o acompanha há vários anos – Pantico Rocha na bateria, Guila no baixo e JR Tolstoi na guitarra e coprodutor de Labiata junto com Lenine – retornou ao trabalho em estúdio e para o show de hoje, uma parceria interrompida nos dois trabalhos anteriores (Acústico e In Cité). “Eu acho que talvez esse seja o disco mais íntimo e mais autoral até por consequência de toda essa intimidade”, classifica o artista.

Para a apresentação de hoje, que começa às 22h (com abertura do foyer às 19h para um happy hour), Lenine confirma Labiata como a base do espetáculo. Composições de outros discos poderão entrar no repertório, mas mais por improviso e no momento do bis. “Pra ser honesto, eu estou naquela situação do pai querer mostrar o filho novo. (risos) O menino começa a andar com as próprias pernas, então, eu sempre priorizo esse repertório”, brinca o artista.

O disco
Não bastassem as diferenças com os trabalhos anteriores, o novo disco resgata um som forte, como na faixa O céu é muito, que remete à consciência musical do artista ter surgido com o rock anos atrás. “Tem muito dessa coisa da hibridagem, uma coisa que já faço há muitos anos, mas que, no Labiata, talvez esteja mais evidente uma música mais poderosa, mais pesada, mais rock’n’roll mesmo. Talvez seja um grande exorcismo do meu lado Led Zeppelin”, relaciona. Outra novidade vem com Samba e leveza, composta por Lenine e Chico Science e dedicada a Goretti, irmã de um dos principais colaboradores do movimento manguebeat falecido em 1997.

A participação póstuma do outro também músico pernambucano chegou às mãos de Lenine por meio de Goretti, “a musa da canção”. Segundo ele, ela foi à sua casa com os manuscritos nas mãos e contando que, antes de falecer, ele estava romântico e cantarolava uma canção. “E ela, de uma maneira muito gentil e muito carinhosa, olhou pra mim e disse ‘só você, você é a única pessoa que pode transformar isso em palavras’”, conta emocionado. A própria música revela o encontro e a intimidade entre Goretti e Lenine: “Foi na leveza, só sentimento, e me entregou suas palavras, como quem dava um pedaço”.

Outra novidade é a presença dos seus três filhos (João Cavalcanti, da banda Casuarina, Bruno Giorgi e Bernardo Pimentel) na última canção do disco, que, não por acaso, chama-se Continuação. “Num momento em que eu fazia e reafirmava um disco completamente íntimo, nada mais óbvio do que pegar as minhas crias”, revela carinhosamente. Ao explicar o momento da gravação da música, Lenine compara com a primeira vez que entrou numa destas salas. “Foi um momento muito especial, inesquecível, Foi bacana perceber que, pra eles, não existe aquela coisa ritualística de entrar no estúdio pra gravar. Eu me lembro da primeira vez que entrei num estúdio, pra mim era terrificante, todos aqueles equipamentos em função de você. Eles tiraram de letra”, conta.

Para os que não acompanham a trajetória do músico ou desconhecem o mais novo trabalho, Labiata não é totalmente estranho. É o que Interessa, escrita por Lenine e Dudu Falcão, foi sucesso da trilha sonora da novela A Favorita, da TV Globo. Martelo Bigorna, composta unicamente por Lenine, também é ouvida em Caminho das Índias, no papel da personagem de Letícia Sabatella, também da TV Globo. Várias faixas de outros discos seus ou um trabalho específico já foram temas de outras novelas, minissérie e filme (direção musical de Caramuru – A invenção do Brasil, de Guel Arraes e Jorge Furtado), espetáculo (trilha sonora de Breu, do grupo de dança O Corpo; direção musical de Cambaio, dirigido por João Falcão). Além disso, Lenine também produziu trabalhos de outros artistas, como Segundo de Maria Rita, De uns tempos pra cá de Chico César, Lonji de Tcheka, cantor e compositor do Cabo Verde, e Ponto Enredo de Pedro Luis e a Parede.

Entrevista

Como é dirigir espetáculos, fazer trilha sonora para filmes?
Lenine: Pra te ser sincero, eu achei que minha vida toda eu estava me preparando pra fazer cinema. Foi o estímulo inicial, eu queria trabalhar com audiovisual, e descobri muito cedo que isso saía muito mais caro do que fazer um show... (risos) Então, por falta de grana, eu comecei a fazer show... (risos) Não, mas eu acho que está próximo da música, a música brasileira, a música refinada e aprofundada que a gente tem aqui no Brasil, ela vem de mãos dadas com o cinema, com o teatro, com a literatura. Ela realmente tem uma abrangência muito maior com a arte. Aqui no Brasil, existe esse diálogo entre as artes.

Diante de uma nova música, o violão, a batida já denunciam que é música sua...
Lenine: Você sabe que isso foi engraçado porque nunca foi uma procura minha, parece que eu passei o tempo todo descobrindo e procurando como um cientista maluco, um alquimista (risos), uma maneira de fazer... Não foi assim, não. Foi o exercício. É intuitivo. Então eu vou fazendo muito ao sabor do destino.

A engenharia química tem a ver com não conseguir se classificar num gênero específico?
Lenine: Eu acho que você foi ao cerne da questão. Aliás, tem uma grande regra que rege toda a química e mesmo a alquimia e que é assim: se você tem o objetivo de ser homogêneo, tem que saber ser heterogêneo. Parece paradoxal, mas não é isso. Pra você conseguir uma reação realmente que ela tenha uma homogeneidade, você tem que saber o que está misturando. Eu acho que essa regra eu levei pra minha vida de uma maneira geral. E a música que eu faço é muito dessa alquimia que eu aprendi.

Sobre o bloco de carnaval Quanta Ladeira, já existe alguma música prevista?
Lenine: (risos) Quanta Ladeira, rapaz, não existe fora do contexto do Carnaval. (risos) O Quanta Ladeira é catarse. Quanta Ladeira não tem filtro. O Quanta Ladeira é uma besteira da maior qualidade (risos), que, fora do contexto do Carnaval, eu tenho a maior vergonha. É um bando de vagabundo que descobre uma maneira, no meio do Carnaval, de se reunir e fazer uma ode, que se chama as “retrohomenagens”. A gente “retrohomenageia” um bocado de gente. (risos) É o máximo que eu posso dizer sobre esse bloco anarco-exibicionista. (risos)

Fala-se que você é antropofágico, canibal, que faz música predatória brasileira. O que significa isso?
Lenine: Não tenho a mínima ideia, nêga, é a tentativa de neguinho botar um rótulo no que eu faço. Eu brinco. Dentro dos adjetivos que usaram para a música que eu faço, um que eu acho que se adequa mais é o contemporâneo. Então, se me perguntarem ‘o que é que você faz?’: música contemporânea. Está de bom tamanho.

Ainda se diz muito por aí que não se faz mais boa música no Brasil...
Lenine: Eles estão surdos e míopes. (risos)

Você se diverte fazendo música?
Lenine: Ah, minha nêga, eu continuo com a sensação juvenil toda vez que subo um palco, que entro num estúdio. E eu tenho impressão que se um dia eu perder esse tesão, eu vou fazer outra coisa. Eu consegui de alguma maneira preservar esse tipo de paixão que a música tem. Então, eu continuo me divertindo em demasia.

Você diz que é um “cantautor”...
Lenine: Isso. Eu não me permito cantar músicas dos outros porque eu esqueço muito as letras. Imagina? Quando eu estou cantando a minha música, na hora que eu esqueci, a pessoa que está ouvindo diz ‘não, isso é uma adaptação, ele está fazendo uma nova letra para a música’. (risos) Agora imagina se eu faço isso com a música do Tom Jobim ou do Chico Buarque? (risos) ‘Cantautor’ é uma figura histórica que surge no nosso tempo no século XI, que é a figura dos trovadores. Esses trovadores ali que saíam de vila em vila com um instrumento rústico cantando as composições que eles faziam, como repórteres de sua época, como a rádio e o jornal de sua época. Essa figura histórica, eu me identifico muito com ela. Acho que é o que eu faço. Qualquer pessoa que canta o que compõe é uma figura do trovador.

Publicado no Divirta-se

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Não esperar...

Páginas me fazem falta. Por duas semanas, abstive-me delas para desempenhar compromissos. O intervalo também me permitiu viajar ludicamente a partir de premissas reais. Mas esses quinze dias trouxeram de volta a insônia, as caraminholas. Não que escritos não façam isso, mas eles me deixam sair de mim por alguns instantes, são minhas férias necessárias e diárias. Retorno na noite anterior. Um livro enfadonho pôs-me a dormir tranquilamente. Na manhã, pego a revista emprestada com a sugestão de uma entrevista com o filósofo André Comte-Sponville. Encontrei nele um “salvador”. Chamo assim os momentos, pessoas, palavras, quando, com quem, onde encontro coincidências, sejam elas manias, pensamentos, “teorias”, “viagens”. Segue um trecho interessante, não totalmente coincidente, mas com razões semelhantes às que pensei muitos anos atrás para defender-me... de mim mesma...

“Você conhece a fórmula de Gramsci: “Pessimismo da inteligência, otimismo da vontade”. Pessimismo da inteligência, porque é preciso ver as coisas como elas são, sobretudo quando são inquietantes, e mesmo vê-las de maneira um pouco mais sombria do que realmente são: assim seremos mais vigilantes. Mas otimismo da vontade, porque depende de nós mudá-las, ao menos em parte, e evitar o pior. Isso me faz pensar naquela outra fórmula do estóico Sêneca: “Quando você tiver desaprendido a esperar [ou seja, desejar o que não depende de você], eu o ensinarei a querer” [ou seja, a desejar o que depende de você e, portanto, a agir]. Não se trata de ser otimista ou pessimista. Trata-se de ser lúcido e corajoso. Não se trata de esperar ou temer; trata-se de querer, de prever e de agir.
Dito isso, serei menos exigente que Sêneca: não peço que você não espere nada, pois isso está, sem dúvida, fora de nosso alcance. Eu diria antes: não se contente em esperar, ou seja, em desejar aquilo que não depende de você; aprenda a desejar o que existe e o que depende de você, ou seja, a amar e a agir. É a única sabedoria que não mente: uma sabedoria da lucidez, do amor e da ação”.

terça-feira, 2 de junho de 2009

É o que me interessa

Desconhecia há algum tempo, os benefícios da liberdade. Vantagens que há em tudo, é verdade. Mas, quando ser quer sempre voltar para a cama e não ser um corpo sozinho, esquece-se de algumas maravilhas. As delícias de fazer o que se quer, na hora que desejar, com a companhia que escolher. Redescobrir coisas grandes em coisas pequenas. Um paradoxo que é a própria quem escreve. E estes momentos têm sido recorrentes... Tão constantes que falta tempo e ideias para escrever. Sinto saudades das linhas que me vinham à mente e eram digitadas no teclado... Ao mesmo tempo, é tanto encanto para pouco tempo e, se houvesse tempo, precisaria de dias duplicados para transpor os assombros positivos. Não perder mais tempo com coisas indesejáveis, com desejos incoerentes, com seres rastejantes... Sentir saudades também é outra característica desta que escreve, saudades de um arroubo de abraço, saudades de um beijo que se prometeu... As saudades não mais doem, são lembranças que ficam do que um dia foi. E novas lembranças serão sempre bem-vindas, assim como os bons momentos e as simples descobertas que hoje abrem janelas e abrirão tantas mais... E, para musicar as benesses de hoje e adiantar as que se aproximam:

“Daqui desse momento/ Do meu olhar pra fora/ O mundo é só miragem/ A sombra do futuro/ A sobra do passado/ Assombram a paisagem/ Quem vai virar o jogo e transformar a perda/ Em nossa recompensa/ Quando eu olhar pro lado/ Eu quero estar cercado só de quem me interessa

Às vezes é um instante/ A tarde faz silêncio/ O vento sopra a meu favor/ Às vezes eu pressinto e é como uma saudade/ De um tempo que ainda não passou/ Me traz o teu sossego/ Atrasa o meu relógio/ Acalma a minha pressa/ Me dá sua palavra/ Sussurre em meu ouvido/ Só o que me interessa

A lógica do vento/ O caos do pensamento/ A paz na solidão/ A órbita do tempo/ A pausa do retrato/ A voz da intuição/ A curva do universo/ A fórmula do acaso/ O alcance da promessa/ O salto do desejo/ O agora e o infinito/ Só o que me interessa”
(É o que me interessa: Lenine/Dudu Falcão)