sexta-feira, 4 de novembro de 2011

É uma merda fazer 30 anos

Desculpem-me os balzaquianos bonitos, em forma, bem-sucedidos e felizes, mas fazer 30 anos é uma merda. Eu já o sabia num inferno astral de um ano ao completar os 29. Não alcançaria, em um ano, o que sonhava para mim: um cantinho meu, um carrinho confortável, um bom emprego e uma boa viagem por ano. Mas, poucos meses antes do dia da virada da maldita dezena, as coisas tinham melhorado. No entanto, isso seria por pouco tempo. E, no íntimo, eu parecia saber disso porque chamei mal e pa(o)rcamente os amigos (mandei um e-mail ao fim do dia da véspera) para uma “comemoração”.

Não havia o que celebrar, apenas algumas mudanças recentes. Mas, ok, dei o braço a torcer e ouvi pessoas próximas e queridas que não me deixavam passar a data em branco. Escolhi um boteco que costumo, quer dizer, costumava frequentar (vocês vão entender o porquê do passado) e até me surpreendi com a presença de bons amigos. A surpresa foi porque o e-mail de aniversário enviado em cima da hora foi proposital, não queria muita gente festejando o que não havia para ser celebrado. Muitos diriam, porque não disseram (ufa!), “ah, mas são 30 anos!”. Eu apenas diria e digo: grande coisa, para não dizer, grande bosta, fazer 30 anos.

E não sofro pela ausência daqueles sonhos que muitas mulheres se veem vestidas de noiva e, menos ainda, da pressa em ter filhos porque o corpo começa a entrar em decadência para gerar uma vida. Nisso, acho que só nisso, acertei e agradeço todos os dias à minha santa pílula. Agradeço, mas com ressalvas. Apesar de não ter vindo uma Ritinha ao mundo, a santa pílula me trouxe, de brinde, um melasma. O que é isso? Uma mancha incurável no rosto por anos e anos ininterruptos de ingestão de hormônio para enganar e proteger meu organismo. É... E aí haja ácido, protetor solar, corretivo e pó para disfarçar o que muitos não enxergam, mas meu espelho denuncia a cada mirada.

Muitos me condenam pela alergia que tenho pela ideia da reprodução. Mas se não consigo nem manter a mim própria quanto mais a um projeto de mim mesma. Mas, enfim, agradeço a minha pílula por isso e por não ter me trazido, até hoje, um derrame, uma trombose, um câncer ou um AVC. Isso porque, se não bastasse a bomba hormonal, sou fumante inveterada, assumida e sem previsão de largar o vício. E a combinação dos dois não é nada saudável, digamos assim.

Então, voltando aos famigerados 30 anos. Por ter sido induzida a “comemorar” mais um ano de vida, tomei várias cervejas no bar e um espumante em casa para quem sabe, inebriada, esquecer a data e ver a saída como qualquer ida a um boteco. Nada demais, infelizmente, aconteceu naquele dia nem nos posteriores. Mas comecei a fazer planos de economizar heroicamente e, dali a um ano, poderia quiçá pensar algo realmente grande: ter meu cantinho. Ou, pelo menos, fazer uma boa viagem e concretizar o plano de conhecer o México.

Mas, dois meses depois, recebo a notícia de que, em breve, eu estaria desempregada. No momento, também pela surpresa, não levei a notícia tão a ferro e fogo. Alguns colegas haviam passado pela mesma situação e não ficaram muito tempo sem alguma coisa. Mas esqueci de pensar, naquele instante, que isso se tratava de Ana Rita e, como ela sou eu, comigo tudo é possível, até passar um ano-novo no sofá com meus dois grandes companheiros do dia a dia desempregatício: meus meninos, isto é, meu dois gatinhos (os melhores filhos, no caso, os melhores sobrinhos, que eu poderia ter).

É desesperador. Digo como quem alerta um desavisado. O peso de dizer “estou desempregada” se assemelha a uma doença contagiosa tanto para o portador como para quem o rodeia. E esse objeto direto, passageiro ou insistente, vem acompanhado – na promoção pague um, leve 11 – de uma depressãozinha (que pode ser amenizada com comprimidos diários de fluoxetina), choros sem hora marcada, olhos inchados, solidão (a falta de renda obviamente muda a sua rotina de (não)trabalho assim como a sua vida social), cortes brutos no orçamento (para não falar em dívidas), brigas no relacionamento (uma desempregada não pode se dar ao luxo de acompanhar o namorado na vida social), visitas constantes à geladeira, banhos demorados (para ver se o tempo passa mais rápido), insônia, uma preguiça absurda para sair da cama e uma bela falta de vaidade.

Inevitavelmente, os desempregados padecem também de algumas intolerâncias. Jamais cumprimente automaticamente um desempregado com “tudo bem?”. Se ele decidir ser franco, você não vai querer ouvir as lamúrias. Tampouco o console com o clichê “vai dar tudo certo”. Isso só funciona em filmes, na maioria deles. E um desempregado, ao menos no meu caso, sofre com uma forte tendência ao pessimismo. E aquela máxima “uma desgraça nunca vem sozinha” parece funcionar mais do que nunca. “Se ainda não deu certo é porque não chegou a hora ou o fim”. Esta frase me soa como o anúncio da morte.

Como ajudar um desempregado? Dê-lhe dicas de trabalho, oportunidade. Se não, se for muito, mas muito próximo a ele, convide-o para algumas cervejas, mas, é claro, você terá de bancá-lo. E, apesar de a taxa de desemprego se manter estável no país, não são muitos os que ganham bem para sustentar alguém numa mesa de bar. Mas tem que ser um lugar chinfrim porque desempregado não está muito a fim de se arrumar. E isso normalmente ajuda na conta menos salgada. E se você não puder fazer nada disso, é melhor esquecê-lo, espero, temporariamente. Eles precisam de tempo para conseguir um emprego, se curar e voltar à vida. Não estou exagerando. Um desempregado é meio que um ser morto, invisível, excluído. Já disseram que tempo é dinheiro. E eu digo que o mundo é dinheiro, a vida é dinheiro. Sem isso, é óbvio, não se sobrevive. Mas tem o lado menos explícito. Passa-se realmente a não ter uma vida, a não ter planos, a encobrir os sonhos, a não poder sequer dar uma espairecida. E isso torna a vida, ou a sobrevivência, uma tortura.

Portanto, se está trabalhando, agradeça o emprego que tem. Reclame, isso faz parte do ser humano. Mas não reclame ao ponto de ofender quem não tem um para poder reclamar. Espero que essa experiência de autoconhecimento não perdure por muito tempo nem para mim nem para quem esteja na mesma situação. E tampouco a desejo à pessoa que menos gosto na vida. “Isso não é de Deus”, como dizem. Mas hoje entendo como é sofrível ser desse grupo. E, no meu caso, os 30 anos e o desemprego se misturam. Não sei falar de um sem falar do outro. E sobrou pra você, 30 anos. Ou seja, fazer 30 anos é uma merda.