domingo, 28 de junho de 2015

Medo do mundo

Fotos coloridas, em arco-íris. Aos montes. Me pego a pensar. Tantos agredidos e assassinados simplesmente por amarem uma pessoa do mesmo sexo. Séculos vários anos antes de Cristo ou século XXI. Ouvi histórias de pessoas próximas ao longo da minha vida sobre a recusa de assim o serem pela sua família ou pela sociedade.

E, num dia em que os Estados Unidos aprovam em todos os seus estados o casamento gay, decido ir além de colocar uma foto colorida. Questiono a beleza de todas aquelas fotos coloridas. A mim caiu-me muito bem postar a própria foto em arco-íris. E nisso pensei, por exemplo, se essas mesmas pessoas aceitariam seus filhos, gerados em suas barrigas, crescendo em seus lares, sofrendo com a desconfiança e o preconceito alheios, gays. Em resposta, fui criticada e agredida por alguns pela má interpretação, pela falta de cuidado com a leitura das palavras que escrevi.

Não coloquei a foto colorida simplesmente para ir contra à "manada". Apenas pensei e quis além. Questionei para que se pensasse além de um belo gesto. Recebi concordâncias de quem entendeu o que eu propus. Mas, em um caso, me apontaram a minha doença. Uma questão que não pus em xeque, apesar de ser "militante" para o esclarecimento de tantos que a desconhecem.

Não entendi a agressividade, principalmente, de quem conheceu grande parte da minha história de vida e de quem eu conheço um pedaço da história de vida. Choquei-me. Hoje fujo, o que posso, de problemas e discussões desnecessários. Foi apenas um raciocínio, uma reflexão que pensei positiva sobre mais uma vitória dos gays. Mas isso gerou repercussão negativa de alguns.

O comentário doeu-me fundo. Doeu-me pela qualquer falta de comparação entre ser homossexual e ter uma doença. Doeu-me pela ofensa gratuita. Doeu-me pela deturpação ou falta de interpretação de minhas palavras que apenas tiveram a intenção de pensar, desejar e sonhar além da fotos coloridas. Ao final, li que eu fui amarga em relação a um movimento bonito.

Li e reli. Olhei para dentro e me revirei. Em nenhum momento de minha vida, fui contra os direitos dos homossexuais. Em nenhum momento do que escrevi, fui contra mais uma vitória do bem no mundo. Minha doença e a alegada amargura foram duas das respostas que recebi.

Estou cansada. E cansei-me ainda mais. Tenho medo do mundo. E tive ainda mais medo do mundo. Percebi como é possível a deturpação das palavras, do desejo, de um pensamento, de vários sonhos. Percebi como a falta de interpretação pode levar a julgamentos opostos. Percebi como pode existir uma agressividade gratuita por o que se entendeu errado. Percebi como se pode ser taxado por uma coisa que não foi defendida.

Eu quero a cura da minha doença. Não queria ter perdido uma pessoa por uma doença rara e incurável. Não queria ter perdido uma pessoa em um acidente de trânsito. Não queria que uma das pessoas que eu mais amo tivesse uma doença. Queria que um amigo voltasse a andar. E queria e quero muitas outras coisas. Mas, naquele momento, não foi sobre isso que falei. Naquele momento, não falei sequer da minha doença.

Sim, eu tenho muitos medos. E tenho, principalmente, medo do mundo.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

@#$%ˆ&*(!!!!

Desde a madrugada, recebo algumas ligações, e-mails, mensagens. Amei tudo. Mas uma, em especial, me arrancou lágrimas (nada difícil ultimamente). Fez-me isso porque conhecemos uma dor, compartilhamos uma dor, nos conhecemos pela dor. Nunca nos vimos, nunca nos abraçamos. Mas é como se eu sentisse seu abraço, seu colo. E emocionou-me pelo tempo dedicado a tantas linhas, a tantas palavras, a tanto conforto. E é uma das poucas coisas neste mundo que me faz acreditar no ser humano, na humanidade, na esperança, em um mundo melhor. Desculpe, Miss, mas soltei um palavrão ao final das suas palavras. Não no mau sentido, exatamente pelo contrário. Como alguém que sequer me conhece me conhece tão bem?! Em todos os desabafos que trocamos, agradeço ao google, à tecnologia, por você ter me encontrado. "Cada um sabe a dor  e a delícia de ser o que é", dizia Caetano. E nós duas sabemos a dor de ser o que somos. Obrigada, mais uma vez, com todo o carinho e amor deste mundo (e, desculpe, preciso compartilhar a humanidade das suas palavras neste mundo tão desumano).

Quem a vê sorrindo não sabe das dores que sente.

Quem a vê chorando não sabe da força que tem e o quanto tem aguentado por dias a vontade dilacerante de desabar. Mas ela segura essa vontade sempre, só para mostrar que é forte, só para não ter que dar explicações, só por costume.

Não a conheço há tanto tempo assim para dizer qual é a sua estação favorita, seu lugar preferido no mundo, se prefere arroz com feijão, ou feijão com arroz, se gosta de dormir de meias, ou se prefere ficar à vontade, se curte samba, ou se é fiel a Renato Russo e Cássia Eller, depois de tanto tempo de partida. Se prefere o chocolate preto ou o branco doce, se gosta de praia ou piscina… Não a conheço muito, mas sei de seu maior sonho, seu maior anseio, o seu desejo.

Hoje é seu dia. Os dias 25 são agraciados. Deveriam ser números da sorte porque tanto você quanto eu nascemos nesse dia. O motivo? Bom, ouvi dizer que os que nascem nos dias 25 são os mais fortes. Está aí, então, a explicação por nascermos nessa data. Mas foi nesse dia que Deus te trouxe ao mundo, para viver, reinar, sorrir, chorar, perder, ganhar, sonhar, se magoar, até porque não existe dias perfeitos, nem totalmente alegres, todos vêm com bônus, e esses bônus, às vezes, doem pra caramba, mas faz parte, até os momentos de dor.

Te admiro, Ana. Admiro sua garra desde o dia que comecei a ler seus textos. Confesso que a primeira vez que li algo seu, pensei: "ela tem a personalidade forte". E não é que eu estava certa? Ohhhh, menina da personalidade forte, direta sempre, sem meias voltas. Isso dá para ver sem conhecer…  É algo admirável !

Pena que os fortes são provados. As pessoas de garra são levadas a dias escuros. As de riso fácil acabam tendo todos os motivos para não mais sorrir. E pessoas tão admiráveis como você são levadas a pensar que não merecem tanta admiração. Acontece sempre. Somos levados a provas para ver aonde chegamos, se aguentamos. Então, o segredo é: aguente firme, vai passar, é só uma prova!

Neste dia tão especial, só quero lhe desejar uma coisa: CURA.

Dinheiro conseguimos com esforço, amores são detalhes, e todas aquelas coisas clichês acontecem com o tempo. Hoje só quero a cura para sua vida. Que toda a dor que fica embaixo de suas roupas desapareçam, assim do nada, confundindo a Medicina. Quero que você seja capaz de usar uma saia curta, uma blusa de alça, os pés descalços. E quero que, quando chegarem a passar a mão pelos seus braços, essa pessoa seja capaz de ir adiante sem sentir nada na sua pele. Quero que você volte a sorrir como antes, que seja agraciada, que não passe suas noites coçando aqui e ali, mas que passe leve, livre da pele que faz você se trancar do mundo. Que ninguém mais te olhe torto, que você consiga ser completa, que sua pele seja completa. Quero que todas as pessoas pequenas que cruzaram sua vida lhe dizendo coisas horríveis estejam bem perto para ver a mudança, para se darem conta do quanto foram horríveis.

Quero que você e sua pele tenham os FELIZES PARA SEMPRE !

Quero que cruze com a cura !

Fazer aniversários se tornaram difíceis depois que descobri o que tinha. Sempre na hora de assoprar as velas, eu sempre fazia um pedido. Coisa antiga isso, né? Mas eu pensava: “Vai que dá certo”. “Vai que dá certo”. “Vai que dá certo”… E eu sempre pedia baixinho “quero ter a pele normal”.

As pessoas nos enchem de elogios, de palavras lindas, de presentes, mas, depois de um tempo, você se dá conta que não quer nada disso, nem festas, nem nada. A não ser que alguém chegue à sua casa com um presente enorme, com um laço vermelho escrito: “A cura”. Mas fora isso, você não quer mais nada. Porque você começa a compreender que não há nada mais valioso do que ter saúde.

Enfim, PARABÉNS, ANA !

Parabéns, parabéns e parabéns.

Parabéns por ter ganhado na corrida contra os outros espermatozóides. Você já nasceu ganhando. Hahaha… Parabéns pela pessoa tão maravilhosa que és e por todas as suas qualidades que eu sei, são imensas.

Ei, moça, sorria. Saia de casa, vai para algum restaurante com seus amigos, coloque sua melhor roupa, seu maior salto, faça sua melhor maquiagem e viva hoje como se sua dor não existisse. É seu dia. Nenhuma dor pode te tirar isso: a alegria de ter nascido. E, depois que chegar à casa, seja grata a Deus por mais um dia e peça seu presente de aniversário. Aposto que ele vai amar te presentear.

Foi apenas um e-mail para lhe dizer: te adorooo demais!

Feliz aniversário !


Beijos, Miss

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Dois episódios

Dói sentir, literalmente na pele, o que é ser diferente, causar asco ou outra sensação aos olhos e ao tato dos outros. Eu que nunca vi qualquer diferença ao me apaixonar por um cadeirante ou negro, percebo que minhas lesões me diferenciam. Há três anos com a doença, ainda não havia sentido preconceito, rejeição ou ouvido uma brincadeira de mau gosto. Talvez porque ela tenha se espalhado. Talvez porque eu não esconda que a tenho e talvez porque, nem que eu queira, não há mais como escondê-la.

Na primeira ocasião, um rapaz que dançava comigo a noite inteira passou a mão pelos meus cotovelos. Com uma interrogação estampada em seu rosto, respondi: "sou assim da cintura para baixo". Não houve mais dança. Não houve mais conversa. O sumiço foi imediato. Banquei-me de forte. Continuei a me divertir. Na volta para casa, o choro foi doído. Não pelo rapaz, mas por sentir, pela primeira vez, o que também sou, o que faz parte da minha vida, o que pode ser a ausência ou não de um relacionamento, o que as feridas já possam ter afastado de mim sem eu ter percebido ou que possam vir a afastar. Depois, pensei que foi melhor a pessoa ter logo se afastado. Hoje, penso que minha doença pode ser uma seleção natural, pois pessoas pequenas não se aproximarão. Mas hoje posso dizer como é se sentir rejeitada, como uma característica, uma pele, uma doença, pode ser capaz de distanciar as pessoas.

Noutro momento, em um ambiente supostamente de pessoas esclarecidas e despidas de, pelo menos, menos preconceitos, minhas mãos foram alvo de uma brincadeira - é só o que posso pensar da pergunta. Não, minhas lesões não estão mais só da cintura para baixo, além dos cotovelos. Elas desceram para os meus pés e subiram para as minhas mãos, meus braços e meu couro cabeludo. Em meu lugar na bancada, a pessoa se aproximou e, ao olhar minhas mãos, questionou: "você andou se batendo?". Chocada com a pergunta, pois não havia nem percebido que ele havia reparado em minhas mãos, não soube dar outra resposta. "Não, tenho psoríase". Novamente. Não houve mais conversa. Não houve um pedido de desculpa. A pessoa, assim que terminou o que veio fazer próximo a mim, se distanciou. Dessa vez, não chorei. Apenas me distanciei.

Não sei se colecionarei episódios como esses ou piores. Não sei se um dia me aceitarei ou me adaptarei. Dói-me mais porque nunca me atraí por aparências. Jamais uma condição ou característica me afastou de conhecer alguém ou me fez capaz de uma piada. Também me envolvi com cabeludos, carecas, gordinhos, magros, malhados, mais velhos, mais novos. Nunca as molduras atraíram meus olhos ou meus sentimentos. Mas hoje minha pele me aparta dos normais. Sou vítima do bumerangue que nunca joguei.

Tem sido difícil ser forte. Disseram-me um dia que as minhas lesões viraram o centro das minhas atenções. Tive que concordar. É tão difícil não ser. É impossível não senti-las ou não vê-las o tempo inteiro. Dormir e tomar banho nunca mais foram a mesma coisa. Usar um anel ou vestir uma calça jeans tampouco. Vestido, só de meia-calça fio 80. Das mãos, dos cotovelos e braços, me desligo um pouco se não não haveria como. Brinco que devo ser uma das grandes consumidoras do Vanish. Pijamas e roupa de cama precisam sempre do auxílio dele na máquina de lavar para retirar as marcas de sangue. Ao dormir, é constante algumas lágrimas escorrerem dos olhos. A solidão é uma companheira, às vezes, bem-vinda, noutras, assustadora.

Para muitos, isso tudo pode ser uma grande bobagem. Mas, assim como minha pele se tornou sensível, a dona dela também. A sensibilidade está fora e dentro. É como se a psoríase tivesse alcançado meus olhos, embaçando-os. Sinto como se a vida perdesse o brilho, e eu junto. À crise no meu saldo bancário somou-se a falta de vontade de me cuidar, me divertir e conhecer pessoas. Fechei-me em meu casulo. Enclausurei-me em meu mundo. "Encaranguejei-me" para me proteger de rejeições e brincadeiras. Está difícil ser inteira.






segunda-feira, 15 de junho de 2015

Cansei-me

Cansei-me de tanto.
Cansei-me do vazio.
Cansei-me do mesmo.
Cansei-me de sempre mais do mesmo.
Cansei-me do interesse.
Cansei-me do desinteresse.
Cansei-me de esperar.
Cansei-me de achar que poderia ser diferente.
Cansei-me do medíocre.
Cansei-me do apenas.
Cansei-me de me desperdiçar.
Cansei-me de desperdiçar noites.
Cansei-me de molduras.
Cansei-me de palavras.
Cansei-me da ausência de palavras.
Cansei-me da inexistência.
Cansei-me do igual.
Cansei-me de preconceitos.
Cansei-me do hedonismo alheio.
Cansei-me de pessoas ocas.
Cansei-me do fugaz.
Cansei-me de tanta baboseira.
Cansei-me de egos.
Cansei-me de vaidades.
Cansei-me de mentiras.
Cansei-me de me cansar.

Por Túlio Mendes