terça-feira, 4 de outubro de 2016

Vida sendo vida

Desapego: uma palavra em voga hoje no mundo e na minha vida. Há três anos, sou obrigada a me desapegar de sonhos, bens materiais e sentimentos. Perda eterna de pessoas e perda de amigos. Perda de parcas conquistas realizadas. Perda de relacionamentos.

Felizmente, a morte nunca esteve muito próxima a mim, aliás, nunca esteve muito perto das pessoas mais próximas a mim. Posso dizer, até hoje, que foram poucas as pessoas que convivi e amei que agora são estrelas.

Houve amigos que pensei serem seriamente amigos, mas não estão mais na estrada que percorro. Hoje não vejo como perda, mas como pessoas que somaram por pouco tempo ou que, por conta de afinidades ou encontros e desencontros, nos afastamos ao longo de dias e anos.

Há também ingratidão daqueles que ajudamos sem pensar duas vezes. Fazemos além do que podemos ou no limite do que somos capazes e, ainda assim, parecemos que fomos tão poucos. O que um dia foi mágoa hoje me consola ser passado e aprendizado.

Alcançar determinados degraus e depois tombar até a base é que o parece deixar mais hematomas. A gente olha para trás e é como se nada houvesse significado, nada tivesse restado. A gente cai, aprende, levanta, cai de novo, e o trem não avança, regride.

Houve quem me disse que “a gente dá um passo para trás para dar mais dois logo a frente”. Naquele instante em que me desfazia de uma certa independência, isso pareceu me acalmar. Mas a tempestade passou a engrossar a cada dia, a cada minuto. Não há sinal de sol ou arco-íris.

É triste hoje andar pela casa que não é minha e ver partes do que foi a minha casa. Lembro de cada local a que fui, de cada escolha, de cada compra, de cada alegria de ver meu canto se tornando realidade. Precisei abdicar do sonho que um dia foi real. Mas não soube desapegar do que um dia foi parte da minha casa porque sei que fará parte da minha casa um dia novamente.

Costumo dizer que as “coisas” em minha vida vêm sempre atrasadas, retardatárias. Que venham, mas que permaneçam. Mas essa não parece ser a lei da vida ou, pelo menos, da minha vida. Ou, quiçá, elas sejam mais tardias ainda. E eu torço por esta hipótese.

Relacionamentos… Uma piada, mais trágica do que cômica. Como me disse um erê: “Você só escolhe merda”. Dei risada quando ouvi, claro. A autoesculhambação, como eu mesma digo, ou autossabotagem, como dizem, é uma das minhas marcas registradas. E ouvir isso de uma entidade me fez rir.

Entendi que só escolho “merda”, como ele me disse, como as chances que decido dar às pessoas que aparecem. Como saberei que são “merda” se não as conhecer? Por isso, quebrei mil vezes a cara. E o erê me quebrou de novo: “Use a sua intuição”.

Além da “merda” em si, vejo olhos me enxergarem como alienígena quando digo que, na idade em que estou, nunca casei, nunca morei junto e tampouco tenho filhos. Aliás, Madalena (minha gata-onça) é minha única filha, mas não saiu de mim nem amamentei. Me sinto um verdadeiro ET ou uma louca varrida quando vejo esses olhos arregalados. E, talvez, eu seja uma coisa ou outra.

E, enquanto o desapego cresce e se obriga em minha vida, há novos e raríssimos apegos. Novos e velhos amigos que aparecem e reaparecem. E aí parece que o desapego se vira pelo avesso. Ou é o avesso que, na verdade, é o certo. Ou não há certo ou avesso. É, simplesmente, a vida sendo vida.

Publicado no blog Quadra Zero

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