terça-feira, 17 de janeiro de 2017

26 de abril

Ela se entristecia e fugia de casa em seus aniversários. Nem se lembrava quando isso havia começado. Não queria que ninguém a surpreendesse com tentativas de alegria em meio à sua tristeza insistente.

E, antes de sair de casa, ai se o telefone tocasse… O coração palpitava-lhe tanto que mal suportava respirar. Era-lhe o dia mais sofrido de todo o ano, de todos os anos, desde que começara com seus pensamentos.

Muitos atribuíam a sua fuga ao desprazer de tantos não apreciarem a data de seu nascimento. Por isso, não havia tantas perguntas a que se desse o trabalho de responder.

Mas não era qualquer ligação. Seu pavor era a associação que fizera, sem razão e sem data, de que seu avô morrera no dia do seu aniversário. Mas ele estava vivo, em plena saúde, aos 75 anos, e a visitava diariamente com uma tapioca.

E, mesmo vendo-o todos os dias, sua tristeza explodia em lágrimas com a ideia de morte e vida em um mesmo dia, no seu dia. Ela não sabia explicar nem sequer a si mesma o porquê disso.

Talvez fosse o medo de perdê-lo, talvez já fosse a saudade de suas visitas, talvez o tempo já lhe era raro para aproveitá-lo ao máximo, talvez tivesse sonhado com a perda…

Mas não era nada disso. E, ao mesmo tempo, a morte lhe era tão real que não podia ler um poema de Drumond sem se lembrar de seu avô e sem cair aos prantos com a sua quimera sem sentido.

Até a mera ligação de seu próprio avô para parabenizá-la, que desmentia qualquer fantasia sua, a punha mares nos olhos. E, no dia do seu aniversário, seu desejo era apenas de que o dia acabasse.

Na aurora do dia seguinte, seus olhos inchados saberiam inundar-se novamente daqui um ano, apesar de continuar sem haver qualquer razão para sua tristeza iludida coincidir-se com a dura realidade em um 26 de abril.

“(…)
Aqui sentou-se o mais velho.
Tipo do manso, do sonso,
não servia para padre,
amava casos bandalhos;
depois o tempo fez dele
o que faz de qualquer um;
e à medida que envelhece,
vai estranhamente sendo
retraio teu sem ser tu,
de sorte que se o diviso
de repente, sem anúncio,
és tu que me reapareces
noutro velho de sessenta.
(…)”
(A mesa – Carlos Drummond de Andrade)
Para Jéssyka Lopes

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