sábado, 7 de fevereiro de 2009

Oração aos pés

Acordei com a sensação de que ali não me pertencia, de que ali eu não cabia. O corpo já não era mais confortável no espaço onde se despertava sorrindo. Não sabia a fórmula do riso. Os lábios amanheceram colados. O medo de pisar o chão fez-me tentar caber por mais um tempo. Não, não cabia. Para fugir da lucidez ou da quimera de antes, piso o chão. O medo fez-lhes trêmulos, indecisos, hesitantes. Talvez mais um passo em falso, em direção errada, com o sonho fabricado sob medidas e cálculos errados. Olhei meus pés e eles eram tortos. Entendi que deveria lutar contra eles, contra a direção a que me conduziam. Olho novamente e eles não são tortos, parecem ter vida própria e quererem me levar a lugares desconhecidos, a lugares que outros não iriam, a tantos lugares quantos sejam necessários para experimentar o máximo que cabe em uma vida. Mas descobri-me cansada de tantos vales, montanhas, cavernas, planaltos, desertos. Não queria mais visitar e despedir-me. Pedi, então, na manhã sem riso, que meus pés me levem a um lugar em que eu possa ficar, descansar, caber com meu riso, levantar-me sem medo, sem olhar o chão.

3 comentários:

Anônimo disse...

Puxa, Ana. Seu post bateu forte aqui, nas montanhas onde me encontro. Às vezes a vida é mesmo tão inquietante e diversa, que a gente não se cabe, né?

Visitar e despedir é o mais doloroso. Por isso o nômade de alma nômade, por exemplo, ainda não encontrou ninguém durante sua caminhada. Ainda dói estar com as pessoas. Dói também despedir delas.

Mas ele vai acabar, em breve, encontrando um lugar pra ficar e viver alguns capítulos. Só pra poder se entregar, novamente com prazer, ao seu nomadismo...

Quanto a mim, bem - fico aqui na caverna ouvindo a música do mundo e sonhando com o reencontro - comigo próprio. Aí, também vou poder me levantar sem medo, sem olhar pro chão.

Anônimo disse...

"Minha vida é um eterno sentir falta e acostumar-me, sentir falta e acostumar-me, sentir falta e acostumar-me…"

Aprendemos bem a lição, não é? (Estou aqui chutando...)

É uma coisa que o Bob Dylan canta: "I never have forgotten her, I just learned to turn it off".

Cláudia disse...

Muda o jeito de contar histórias em comum. E você conta a cada dia melhor. Muito feliz por você estar aqui :))