sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Miragens

Ela não saía do mar. Passava os dias dando mergulhos e aproveitando as ondas. Sempre ia em busca de novas praias para encontrar aquela que a fizesse se sentir melhor.

Não apreciava a pasmaceira dos mares calmos. Passava pouco tempo apenas para descansar e boiar. Ela gostava mesmo de ir fundo nas águas com a surpresa das ondas.

Havia aquelas ondas que pareciam vir grandes, e se frustrava com a fraqueza que chegavam até ela. Outras pareciam apenas uma ondulação, e ela se regozijava no meio do turbilhão

Às vezes, se perdia com as correntes marítimas que a levavam para longe. Às vezes, se machucava com pedras e rochas que desconhecia ao desbravar novos mares.

Mas aprendeu a cuidar de seus machucados. Atravessava a areia e passava a noite na mata com seus unguentos. E, no outro dia, mesmo mancando e sangrando ainda, seguia seu rumo em busca de novos mares.

Em um dia, cochilou à beira de uma praia, deitada na areia e com as pernas dentro d’água. Acordou, esfregou os olhos e não acreditava no que via. O mar havia sumido.

Incrédula, passou a percorrer milhares de quilômetros pela faixa de areia. Seus pés ardiam, queimavam. Em algumas vezes, tinha uma visão trêmula como se visse água mais à frente. Corria desesperadamente, mas era apenas imaginação.

Para descansar, passava momentos na mata, que antes verdejava com o mar, separados apenas pela areia. Dormia com a esperança de que, quando acordasse, o seu mar estivesse ali, como que tivesse lhe pregado uma peça.

Acordava e esfregava os olhos. Não conseguia acreditar. Não conseguia entender. E retornava para onde antes havia mar. Nenhum sinal de água. Encontrava apenas conchas, que a deixavam com a lembrança de seus mergulhos.

E passou a recolher as conchas o quanto pudesse. Pensava que talvez elas atraíssem o mar de volta para si, como se o fundo do que houvesse sido um dia o mar sentisse falta e surgisse para abrigá-las.

Os dias passavam e nada acontecia ou ressurgia. Passava seus momentos caminhando pela areia, queimando seus pés e descansando na mata. Sempre que dormia, esperava acordar e ver novamente seu mar.

Mas não via sinal de esperança ou mudança. E revezava seus momentos entre a areia e a mata. Talvez acabasse seus dias num ou noutro. E assim seguia seus dias e noites intermináveis…

Publicado no blog Quadra Zero

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