sexta-feira, 20 de junho de 2008

Eternos aprendizes

Uma mulher sentada ao meu lado chora. Sinto sua respiração engolir o choro e seu suspiro que busca a calmaria. Suas mãos tentam encobrir o rosto molhado de lágrimas quando tento observá-la de soslaio. Espiono-a com a intenção de descobrir sua aflição. Seguro minha mão direita, que parece querer tocá-la como se um gesto de carinho de uma desconhecida pudesse apaziguá-la. Não a toco, não lhe direciono mais o olhar. Descubro que a dor ao meu lado talvez seja a minha mesma e, por isso, não precisaria encostá-la. Sua presença ali me conforta, mas não posso causar-lhe a mesma impressão, pois seu sofrimento é latente e em nada atenta a não ser o seu encontro com as músicas cantadas ao longe e que tocam alto dentro de si.

Mas, por alguns momentos, esqueci-me de mim mesma e da minha angústia. Passo alguns instantes pensando: o que será que lhe dói tanto? Um coração partido? Uma perda irreparável? Um adeus consentido? Uma morte inconformada? Destinos separados? Uma perda lhe doía, não importa o nome que se lhe dê – morte, separação, distância. Vi-me intrigada com o que a machucava. Era como se o que eu sentisse fosse demasiado pequeno perto do seu sofrimento, apesar de ser uma incógnita. Paradoxalmente, a sua emoção me incomodava e me aliviava. A percepção de uma dor aparentemente maior tão próxima a mim fez-me crer na ridicularia do que eu sentia.

Então, volto a minha atenção para o palco e para o significado das letras do cantor e compositor Luís Gonzaga do Nascimento Júnior, mais conhecido como Gonzaguinha, interpretadas pelo seu filho Daniel Gonzaga. Convidados representavam as facetas e os momentos do grande artista. Abaixo, transcrevo duas músicas que tocaram demasiadamente as duas espectadoras e que lhes fez sentir menos estrangeiras na dor:

“Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar e eu não quero mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor
E entregou o que você tentou conter
O que você não quis desabafar

Chega de temer, chorar, sofrer, sorrir, se dar
E se perder e se achar e tudo aquilo que é viver
Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim
Como se fosse o sol desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor desta manhã

Nascendo, rompendo, tomando, rasgando, meu corpo e então eu
Chorando, sorrindo, sofrendo, adorando, gritando
Feito louca, alucinada e criança
Eu quero o meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar, explode coração...”
(Explode Coração)

“Se me der um beijo eu gosto
Se me der um tapa eu brigo
Se me der um grito não calo
Se mandar calar mais eu falo
Mas se me der a mão
Claro, aperto
Se for franco
Direto e aberto
Tô contigo amigo e não abro
Vamos ver o diabo de perto
Mas preste bem atenção, seu moço
Não engulo a fruta e o caroço
Minha vida é tutano é osso
Liberdade virou prisão
Se é amor deu e recebeu
Se é suor só o meu e o teu
Verbo eu pra mim já morreu
Quem mandava em mim nem nasceu
É viver e aprender
Vá viver e entender, malandro
Vai compreender
Vá tratar de viver
E se tentar me tolher é igual
Ao fulano de tal que taí

Se é pra ir vamos juntos
Se não é já não tô nem aqui”
(Recado)

2 comentários:

Unknown disse...

Sentir o que a outra pessoa sente é ser ela e tem grande utilidade metafísica, disse com sabedoria o magistral Fernando Pessoa. Fez-lhe bem o confronto que a despertou para uma aferição necessária, fazendo ínfimas dores potencializadas e assimiladas em demasia.

Vinicius disse...

Gonzaguinha ainda é um dos maiores compositores deste país. Uma pena ter-nos deixado cedo demais...

Sim, o momento é de sofrimento, mas tudo na vida passa, até o amor e a dor.

Obrigado pelas palavras e tão logo algo bom sorria para mim volto para contar...