terça-feira, 21 de abril de 2009

Flores murchas

Em um passado não muito remoto, cantei Skap, de Zeca Baleiro. Num instante subsequente, identifiquei-me com o calhamaço de Gabriel García Márquez. Deve ser aquela coisa de conhecer a escuridão a partir do que são as luzes, reconhecer o barulho porque se sabe o silêncio. O ruim em experimentar efemeridades é a insistência em se querer perpetuar o que é naturalmente fugaz.

“Você me faz parecer menos só menos sozinho/ Você me faz parecer menos pó menos pozinho”. A quem possa cantá-la frequentemente, não invejo, alegro-me. Não cobiço porque me descobri Buendía. Escapar é coisa rara, momento fugaz. Macondo é minha cidade, minha realidade. Flores de azeviche murcham em Macondo. É apenas uma questão de acostumar-me. Deixo a música para aqueles de outra linhagem, para os sonhos, para conversas lúdicas.

“Nas noites de inverno, enquanto fervia a sopa no fogão, desejava o calor dos fundos da loja, o zumbido do sol nas amendoeiras empoeiradas, o apito do trem na sonolência da sesta, da mesma forma como desejava em Macondo a sopa de inverno no fogão, os pregões do vendedor de café e as cotovias fugazes da primavera. Aturdido por duas saudades colocadas de frente uma para a outra como dois espelhos, perdeu o seu maravilhoso sentido de irrealidade até que terminou por recomendar a todos que fossem embora de Macondo, que esquecessem tudo o que ele ensinara do mundo e do coração humano, que cagassem para Horácio e que em qualquer lugar em que estivessem se lembrassem sempre de que o passado era mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera”.
(Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez)

3 comentários:

marisinha c. disse...

Prima, Macondo também é meu lugar. Achei definitiva a frase: O ruim em experimentar efemeridades é a insistência em se querer perpetuar o que é naturalmente fugaz.

Bjus

Jasão disse...

Agora você entendeu bem porque ouço música com moderação.

Buendías precisam de silêncio para não se deixar levar - a solidão acaba nos bastando.

anyoneanywhere disse...

“Carta a Ramon Vinyes”

Talvez a solidão não seja necessária.
Não sentirei saudades dos sabores do inverno e não sonharei com o trem que segue rumo ao horizonte que um dia foi meu lar.
No dia em que as nostalgias de minha vida se enfrentarem como dois espelhos, será refletido um sorriso.
Não irei a lugar algum e tampouco esquecerei os ensinamentos do mundo e do coração.
Seguirei com Horácio, à minha maneira, e não olharei o passado em busca de verdades ou mentiras.
Criarei minhas próprias memórias e viverei a primavera sem temer o tempo.
Tudo será possível. Basta que o amor desatinado e tenaz não seja uma verdade efêmera para que nada mais precise de lógica ou sentido.