segunda-feira, 4 de maio de 2009

Dois irmãos


Guardo o último capítulo, assim como já fiz com outros livros. Não gosto de despedidas, nem que sejam com as últimas páginas. Além disso, tenho receio de a obra me decepcionar com o final. Uma das manias que tenho não é ler as primeiras palavras de um livro em uma prateleira, mas procurar a última frase. Talvez como se pudesse me trazer uma resposta, talvez para descobrir como termina uma história.

Por um mês, Dois irmãos, de Miton Hatoum, me acompanhou nas manhãs e nas últimas horas do dia. Queria alcançar o fim da rinha entre os irmãos gêmeos, me fascinava o amor de Halim por Zana, desenhava Manaus em meus pensamentos com as descrições do autor. Por fim, o mistério de Domingas e do narrador tornou-se o cerne da leitura. E o mistério não se desvenda.

Opino, talvez, por bons ou maus livros pelas anotações e grifos que realizo. Houve alguns que gostei sem ter riscado muita coisa. Mas vários me chamam a atenção por passagens e ditos interessantes, inteligentes, que me põem a pensar e voltar um dia a reler. E Dois irmãos teve um pouco disso. E certamente outro volume de Milton Hatoum ocupará meu tempo.

“’Louca para ser livre’. Palavras mortas. Ninguém se liberta só com palavras. Ela ficou aqui na casa, sonhando com uma liberdade sempre adiada. Um dia, eu lhe disse: Ao diabo com os sonhos: ou a gente age, ou a morte de repente nos cutuca, e não há sonho na morte. Todos os sonhos estão aqui, eu dizia, e ela me olhava, cheia de palavras guardadas, ansiosa por falar. (...)
Naquela época, tentei, em vão, escrever outras linhas. Mas as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em lenta combustão, acenderem em nós o desejo de contar passagens que o tempo dissipou. E o tempo, que nos faz esquecer, também é cúmplice delas. Só o tempo transforma nossos sentimentos em palavras mais verdadeiras, disse Halim durante uma conversa, quando usou muito o lenço para enxugar o suor do calor e da raiva ao ver a esposa enredada ao filho caçula. (...) Alguns dos nossos desejos só se cumprem no outro, os pesadelos pertencem a nós mesmos.”

Um comentário:

Jasão disse...

é ao mesmo tempo gostoso e triste despedir-se de um livro...