segunda-feira, 29 de março de 2010

Os paradoxos e os enigmas de Manuel Carreiro

E-book do autor canadense é um convite a buscar a curiosidade infantil para então se divertir com sua obra

Ana Rita Gondim

"Este livro é dedicado para quem não tem voz", avisa o autor logo na dedicatória do livro. Paradoxalmente, também logo no início, o escritor antecipa o bom humor que virá em algumas das páginas seguintes com opiniões de David Foster Wallace, Friedrich Nietzsche, Johannes Gutenberg e Tomás Antônio Gonzaga, datadas de séculos passados e próximos anos. Os pequenos deuses da trapaça, de Manuel Carreiro, é um misto de universal e atual, de brincadeira e reflexão, de antigo e moderno, de catarse e ficção.

O livro, ou melhor, o e-book (livro eletrônico) do autor canadense, filho de pai português e mãe brasileira, vivido há muito tempo no Brasil, pode ser encomendado pelo site http://manuelcarreiro.com e o interessado pode pagar o valor que achar justo. Para os que preferem ler da forma tradicional, basta imprimir as 67 páginas. "Literatura é literatura impressa no papel, em arquivo virtual, rascunhada num guardanapo, inscrita num tronco de árvore. Foi-se o tempo em que ser publicado por uma editora de renome legitimava a boa qualidade (ou não) de um artista", explica Manuel Carreiro ao divulgar sua segunda obra (o primeiro é Eram os deuses escritores?, de 2004, uma brincadeira com Eram os deuses astronautas?, de Erick von Daniken) em site e por e-mail.

Resultado de um trabalho de seis anos - dois anos de rascunhos e quatro para afiar a linguagem -, o novo livro de Carreiro apresenta uma compilação de estórias - sim, estórias, que, apesar do desuso, ele mesmo assume e informa ao final: "o texto deste livro (des)obedece às normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. E também às regras do mercado editorial" - as mais variadas. Algumas são mais catárticas, outras se utilizam mais de espelhos, umas mais silenciosas, outras mais doloridas, algumas mais enigmáticas, outras mais paradoxais. O jogo com as palavras também é uma característica marcante na obra.

É comum se deparar com vestígios de Clarice Lispector e Nietzsche em suas páginas. Não à toa, além de escritor e leitor contumaz, Jason é bacharel em Filosofia (2002) e mestre em Letras (2006), ambos pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). E hoje ele é doutorando e pesquisador em Filosofia da Educação na Simon Fraser University, no Canadá. Ademais, ele dá aulas inglês numa escola em Vancouver, terminou recentemente a tradução, do português para o inglês, do romance Monte verità, do carioca Gustavo Bernardo, e há um ano trabalha numa tradução, do inglês para o português, do conto Good old neon, do escritor americano David Foster Wallace. Apesar disso, o autor afirma que não é preciso bagagem ou iniciação filosófica para entender as suas palavras:

"É um livro pra quem gosta mesmo de pensar e se encantar com a falta de sentido. Tem muita vida no meio daquela solidão e tragédia toda dos contos. Precisa ser naturalmente curioso. Uma criança seria capaz de ler e se divertir com meu livro melhor do que um adulto porque elas sabem brincar e são curiosas. Mas, desde crianças, aprendemos a calar as perguntas. O menino pergunta: porque o céu é azul, pai? E a gente manda ele calar a boca. No fim das contas, a ideia é essa. Perdemos a capacidade de nos indignar com o mundo, de nos espantar. Quem tem essa indignação, esse encanto, acaba até se divertindo [com o livro]".

Apesar de divertir, o livro exige atenção para não cair nas armadilhas do autor. O próprio título é um enigma. Quem são os pequenos deuses da trapaça? Leia e descubra, assim como as demais relações, números e jogos de palavras. De antemão, o escritor adverte que a obra tem pistas falsas. E conclui: "é um livro pra pirar mesmo, não pra vender".

Trecho de Alma nômade

"(...) Agora me vejo, subitamente, apanhado por um desejo profundo de correr e correr, porque minha mente e meu espírito anteviram a cidade abaixo de mim - lá há crianças famintas, há adultos abusando de crianças, há maridos enganando suas esposas e esposas enganando os seus maridos (estou parecendo um código de ética, hoje, mas perceba leitor, que este comentário ultrapassa qualquer moralismo que você queira imbricar em minha narração - eu apenas constato as máscaras que os homens usam, esses pequenos deuses da trapaça) há pessoas matando por pouco dinheiro, e há jogos de dissimulação nojentos e mentiras mentiras mentiras e há também coisas boas, há também pessoas que se ajudam, não sou um pessimista, há aqueles que se dedicam com ardor a ajudar os perdidos, há muito amor sincero, há pessoas pacientes e calmas e alegres e contadores de estórias e (eu acho que vou desistir, vou me fundir aos prédios cinza da cidade e desistir) - (...)"

Os pequenos deuses da trapaça
Manuel Carreiro
Preço sugerido (o interessado pode pagar quanto quiser): USD $ 9,90/ R$ 14,99
E-book em formato PDF - venda exclusiva pela Internet
Pelo endereço http://manuelcarreiro.com
Todos os cartões de crédito e débito são aceitos. Assim que o valor for creditado na conta, o livro será enviado por e-mail

Publicado no jornal Correio Braziliense e no site Diversão & Arte

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