quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Araras-azuis

Com tanto tempo disponível, passo a pensar sobre tantos os aspectos da vida. Um que me parece paralisar é a minha profissão. O jornalismo me parece em extinção. Somos tantos os desempregados, somos tantos os que buscam uma vaga que sinto como se fôssemos ararinhas-azuis. Há diversas profissões nessa situação, mas me permito falar da minha, até porque a própria mídia não fala, pelo menos não nesses termos, de si própria.

Olho para trás e tento analisar cada passo que dei. Já tive medo de tentar o desconhecido, de experimentar o que nunca imaginei. Mas fui lá e fiz. Saí do comodismo, de três anos de carteira assinada, e tentei entender de agronegócio. Quebrei a cabeça para falar sobre icloud em três páginas de revista. Assessorei magistrados e procuradores. Iniciei toda uma pesquisa sobre a história da Procuradoria-Geral do DF. Desempregada pela primeira vez, topei o desafio de ser produtora e repórter de vídeo. 

Depois, passei um ano lidando com o assunto de transporte. Me entusiasmei com a amplitude do tema, viajei duas vezes a trabalho até que me choquei com a "invasão"de policiais no prédio - coisa que a mídia mal noticiou. Desempregada pela segunda vez, pelo recursos humanos da instituição, volto para a redação e ocupo a função de subeditora. Depois de um ano, desempregada pela terceira vez.

Nesse meio tempo em que me encontro, topei outro desafio, que foi trabalhar em uma área em que nunca desejei em uma cidade totalmente nova para mim: campanha política em Luís Eduardo Magalhães (BA). Muito aprendizado, muita experiência, outra realidade. Um mês e meio depois, decido voltar para Brasília, por questões outras que não o trabalho em si. 

Parece que os únicos sãos e salvos neste país e neste momento do país são os servidores públicos. Isso me entristece. Como não conheço as particularidades de cada profissão, decido falar da minha. Somos tão cobrados, tão exigidos, com carga horária sempre além, tendo que lidar, muitas vezes, com gritos e gente louca, com salários baixos, atrasados, sem previsão de crescimento, seja do cargo ou do "vencimento"… Passei réveillons, carnavais e diversos feriados dentro de redações ou em salas de assessoria. Perdi shows, casamentos, festas e outros eventos devido ao dias e horários de trabalho, se não pelo saldo insuficiente. Teceria linhas e mais linhas sobre os contras da profissão.

Mas o que seria do país ou do mundo sem os jornalistas? O que será de nós e do jornalismo? Um jornalismo completamente online, instantâneo, sem reflexão ou revisão? Eu não sei. Me cobram um novo rumo. Mas que rumo tomar no atual momento deste país? Que rumo tomar se tudo está em crise? Ao desabafar com "iguais", falamos sobre o que sabemos fazer. A impressão é que sabemos apenas escrever, escrever bem, com domínio da língua portuguesa, gostar de ler, apreciar boa música e as artes. "Apenas"?? Além, é claro, de beber uns bons copos de cerveja e dar risadas, ainda que entremeadas de água nos olhos, da própria sorte. 

Parecemos tão parcos de dons ou talentos e, ao mesmo tempo, tão cheios de experiência e conhecimento. Uma contradição ininteligível. Um profissão tão vasta em suas vertentes e que parece se extinguir. Nas redações impressas, os jornais diminuem de tamanho e, assim, a quantidade de seus profissionais. Sites precisam cada vez menos de jornalistas para darem conta do recado. Nas assessorias de imprensa, a mesma coisa. Falam hoje de redes sociais, mas elas não são distintas, necessitam de poucos para publicações, análises e elaboração de relatórios. 

Em 13 anos de profissão, aos 35 anos de idade, o máximo que alcancei foi ser subeditora. Em todo esse tempo, vivo o desemprego pela terceira vez. Em todo esse tempo, tive salário digno por um ano e meio. Em todo esse período, foram raros intervalos de uma carga horária normal. Em todos esses anos, fui feliz e, em alguns momentos, infeliz. Graças à toda essa loucura deliciosa e, às vezes, indigesta, desenvolvi uma doença que tentarei controlar por toda a minha vida.

Não, não consigo acreditar que somos araras-azuis voando destrambelhadas para qualquer lado ou de asas quebradas sem podermos alçar voo. Eu mesma não sei se voo ou economizo energia. Tento me reinventar. Tento ensimesmar-me para me descobrir. Por enquanto, apenas grasno para diminuir a minha invisibilidade. Por enquanto, tento encontrar o melhor no pior, para pegar as palavras emprestadas de um trecho de Fogo Morto, de José Lins do Rego.

Publicado no blog Quadra Zero


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