quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O visconde partido ao meio

Como me tudo, ou quase tudo, é tardio, descubro que o fantástico também é literatura. Penso que era, e ainda sou, à imagem e semelhança do narrador de O visconde partido ao meio de Italo Calvino: “Às vezes a gente se imagina incompleto e é apenas jovem”.

Então, na minha incompletude ainda maior, pressupunha que um bom livro devia ser pesado, reflexivo, dramático, sofrido. Não à toa meus escritores preferidos eram; ainda são, mas somados a outros; Dostoievski, Clarice e Rawet.

Numa busca sem alvo, disparei os olhos para a leitura e desvirginei-me para autores que, se até ontem tocasse em suas páginas, poderia não passar do primeiro capítulo. Mas, calma e divertidamente, esses homens ilustres me conquistaram.

O último desses cavalheiros e que me levou a um segundo encontro foi Italo Calvino. As metades do nobre bombardeado por um canhão entretiveram-me, sem serem fúteis; puseram-me a refletir, sem me causarem insônia; encantaram-me, sem me aprisionarem.

Há quem possa ser metade, há quem possa encontrar metades. Mas, principalmente, há quem possa ser uma metade temporária. Como diz Pamela, “cada encontro de duas criaturas no mundo é uma dilaceração”. E, no fim, a união dos pedaços pode nos tornar menos incompletos, menos divididos, menos incompreensíveis; assim como a costura de Mesquinho e Bom tornou Medardo di Terralba “nem mau nem bom, uma mistura de maldade e bondade”.

A quem se conte superficialmente o enredo, vê-se uma testa franzida, o olho deslocar-se ao canto, um leve movimento do rosto. Atire o primeiro Calvino quem nunca teve fantasias e quisesse transformá-las em realidade. Ou, pelo menos, em páginas...

“Ó, Pamela, isso é o bom de ser partido ao meio: entender de cada pessoa e coisa no mundo a tristeza que cada um e cada uma sente pela própria incompletude. Eu era inteiro e não entendia, e me movia surdo e incomunicável entre as dores e feridas disseminadas por todos os lados, lá onde, inteiro, alguém ousa acreditar menos. Não só eu, Pamela, sou um ser dividido e desarraigado, mas você também, e todos. Mas, agora, tenho uma fraternidade que antes, inteiro, não conhecia: aquela com todas as mutilações e as faltas do mundo. Se vier comigo, Pamela, vai aprender a sofrer os males de cada um e a tratar dos seus tratando dos deles.”

2 comentários:

Anônimo disse...

Ana, já leu "O cavaleiro inexistente?" É sensacional!

(Também gosto muito de "Se um viajante numa noite de inverno")

Anônimo disse...

(Não é o caso de publicar: "entretiveram-me")