
As primeiras cenas do filme retratam somente o mundo visto do olho esquerdo de Bauby. Só vemos o que por ele pode ser visto, em seu ângulo e em sua amplitude. Sentimos sua angústia quando, ao acordar, médicos lhe dirigem a palavra, ele, a sua, mas ninguém o escuta. Assim, então, ele descobre que tampouco fala. Com a ajuda de uma ortofonista (profissional de saúde que pratica métodos de reeducação verbal destinados a corrigir defeitos de pronúncia e elocução), Bauby comunica-se e escreve seu livro autobiográfico apenas com o piscar de um olho.
Toda a sua comunicação é realizada por uma ou duas piscadas. Ele pisca o olho uma vez para dizer "sim" e duas vezes para dizer "não". A partir disso, o visitante lhe dita letras do alfabeto e, assim, ele forma palavras, frases, páginas inteiras. A paralisia de que sofre recebe o nome de Síndrome Locked-in – fechado no interior de si mesmo –, uma doença rara que o deixou lúcido intelectualmente, mas com o corpo totalmente imóvel. Todo o tempo em um hospital, Bauby respira e come por meios artificiais, recebe ajuda da mãe de seus três filhos e de um amigo.
Grande parte do filme mostra o bom-humor e a irreverência do autor do livro e protagonista do filme. Ele leva na esportiva quando, por exemplo, dois homens responsáveis pela instalação de um telefone adentram seu quarto e não o reconhecem como homem ou mulher e fazem graça ao descobrirem que ele não fala e, por isso, não haveria necessidade do aparelho. E Bauby ainda brinca com a ortofonista ao imaginar-se dizer que lhe falta senso de humor. Também é possível esboçar um sorriso quando ele se lastima ao ver uma bela enfermeira ensinando-o movimentos com a língua para que possa se alimentar sozinho ou começar a emitir alguns sons.
Cenas tocantes também envolvem o filme, mas não de forma melodramática. A principal delas é quando seu pai o telefona no quarto do hospital. No diálogo, o pai diz que sente sua falta e que é impossível conversar daquela forma, pois já estava velho e não conseguia mais lembrar o que tinha a dizer. A emoção maior surge quando o pai associa a condição de seu filho à sua quando diz mais ou menos assim: "eu também estou com a síndrome locked-in, estou aprisionado em meu apartamento, pois não consigo mais subir e descer as escadas".
Apesar de aprisionado em seu corpo, Jean-Do, assim chamado carinhosamente por familiares e amigos, voa longe, delicia-se com ostras em uma mesa farta acompanhado da mulher que o auxilia na escritura de seu livro. Além disso, ele lembra uma viagem que realizou a Lourdes com uma antiga namorada. Isto é, ele próprio descobre que a paralisia não lhe alcançou sua imaginação e sua memória.
Após dez dias de escrito o livro, Bauby falece a 9 de Março de 1997. Sua doença e sua morte são metaforizadas no filme com as geleiras desmontando e remontando-se, respectivamente. Um belo e bem feito trabalho, sem apelo a melancolia ou a choradeira. A emoção toca o espectador pela própria história de vida do autor e pela construção de cenas e diálogos.
A película, que recebeu prêmios no Festival de Cannes e no Globo de Ouro, nos permite ver que também somos escafandros e borboletas. Escafandros porque somos prisioneiros de nós mesmos, de nossos medos, de nosso passado, de nossas angústias. Borboletas porque todos temos nossos sonhos, nossas aspirações, nossas viagens, nossa imaginação e nossa memória. Mas sejamos mais borboleta que escafandro e apaixonados pela vida, assim como Bauby.
O Escafandro e a Borboleta
(Scaphandre et le Papillon, Le, 2007)
Direção: Julian Schnabel
Roteiro: Jean-Dominique Bauby (romance), Ronald Harwood (roteiro)
Gênero: Biografia/Drama
Origem: Estados Unidos/França
Elenco: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Max von Sydow, Isaach De Bankolé, Emma de Caunes
Duração: 112 minutos
Tipo: Longa
Site oficial: http://www.lescaphandre-lefilm.com/
2 comentários:
Sejamos muito mais borboletas!! =)
Mergulhar e fazer profundas sondagens é preciso. Tais e necessárias viagens fazem os escafandristas, em mergulhos protegidos por escafandros. Aqueles é que somos.
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