terça-feira, 15 de julho de 2008

“Xô, mixaria”, diz o mundo a todo instante

Fiquei chocada nesta manhã quando li matéria da Folha de S.Paulo: Prefeitura faz muro sob viaduto para tirar moradores de rua. Conforme a notícia, a subprefeitura da Lapa alega com isso evitar incêndios no local e que a construção foi realizada a pedido de moradores próximos dali. É ruim, hein?! Eu concordo com o urbanista consultado pelo jornal. Ele diz que isso é parte de uma política higienista, para limpar a pobreza do bairro.

Coincidentemente, ontem à noite, passei horas lendo um livro em que o autor disserta em cinco páginas sobre a mixofobia. Segundo ele,

“A mixofobia é uma reação altamente previsível e difundida entre os diversos tipos humanos e estilos de vida capazes de confundir a mente, provocar calafrios e colapsos nervosos, de que estão repletas as ruas das cidades contemporâneas, assim como seus distritos residenciais mais ‘comuns’ (leia-se: não protegidos por ‘espaços interditados’). Conforme a polifonia e a diversificação cultural do ambiente urbano na era da globalização entram em cena – com a probabilidade de se intensificarem no curso do tempo –, as tensões oriundas da exasperante/confusa/irritante estranheza desse cenário provavelmente continuarão a estimular impulsos segregacionistas.

Expressar tais impulsos pode (de modo temporário, mas repetido) aliviar tensões crescentes. Isso oferece uma esperança: diferenças excludentes e desconcertantes podem ser incontestáveis e refratárias, mas talvez seja possível extrair o veneno do ferrão atribuindo a cada forma de vida um espaço físico distinto, ao mesmo tempo inclusivo e excludente, bem demarcado e protegido. Evitando-se essa solução radical, talvez se possa pelo menos assegurar para si mesmo, para os amigos, parentes e outras ‘pessoas como nós’, um território livre daquela miscelânea que irremediavelmente aflige outras áreas urbanas. A mixofobia se manifesta no impulso que conduz a ilhas de semelhança e mesmidade em meio a um oceano de variedade e diferença.”

Não é isso o que a prefeitura de bairro de uma das maiores cidades do mundo realiza na verdade? Subestimar o cidadão com uma alegação frágil é ainda tanto menos ruim do que a construção de um muro para apagar a pobreza aos olhos de empresários e executivos. Mandá-la para longe como que para confirmar “o que olhos não vêem, o coração não sente”. Que baixeza do ser humano! A que pequenez chegamos!

Isso me recorda uma cena que vi há alguns anos na capital do país. Esta foi uma das vezes em que senti raiva, tristeza, vergonha, repugnância. Numa tarde, vi uma mulher dirigir seu carrinho atrás de uma carroça. Ela buzinava para que ou o cavalo andasse mais depressa ou se retirasse da sua frente. Na verdade, ela deveria mesmo querer que aquilo estivesse bem longe de seus olhos. Minha vontade foi parar em frente a ela e lembrá-la:
“– Você vive em um dos países com maior desigualdade social do planeta. Se não quer andar atrás de uma carroça, vá morar na Suíça”.

Ah... Como o mundo podia se parecer um pouquinho com a minha cidadezinha invisível. Ou que, pelo menos, soubesse conviver com o diferente simplesmente. Mas talvez seja pedir demais que as pessoas parem de olhar para o próprio umbigo.

No entanto, como diz uma música do meu querido e admirado Lenine:
“Umbigo meu nome é umbigo
Gosto muito de conversar comigo
Umbigo meu nome é espelho
Não dou ouvidos nem peço conselhos
Umbigo meu nome é certeza
Só é real o que convém à realeza
Umbigo meu nome é verdade
Sou o dono do mundo e o rei da cidade...”

É isso, então, reis e rainhas da cidade: vivam sua realeza, fechem os olhos para a diferença, para a pobreza! Em contrapartida, lembro-me de meu sonho infantil de distribuir dinheiro em sacos de pão aos necessitados que nos abordam nos semáforos, nos restaurantes, nas ruas, nas calçadas. Não sei por que tão criança tinha este sonho, mas talvez seja para não esquecer jamais de tentar fazer algo para melhorar o mundo...

O livro de que copiei as aspas é Amor líquido, do sociólogo Zygmunt Bauman, página 133

3 comentários:

Anônimo disse...

Isso me lembra aquela música que ouvimos ontem, do Moska e do Lenine, com os meninos do Bate Lata.

"Hai que endurecer
Um coração tão fraco
Pra vencer o mêdo
Do trovão
Sua vida aponta
A contramão..."

Essa realidade brasileira é foda. Fico também com ódio desse país quando vejo notícias de péssimo atendimento em hospitais públicos ou quando vejo gente esperando há mais de uma hora uma porra de ônibus pra voltar pra casa. Sinceramente? Me dá é vontade de sumir daqui.

Beijos, querida.
Flávia

Miguelito disse...

Mais uma ação "Cidade limpa" do Kassab... Isso é inaceitável, especialmente quando temos aspirações a "potência" regional... Se bem que nosso gigante vizinho do norte, a "potência" global, é especialista em "limpeza étnica" (vide Guantânamo, Iraque, Afeganistão, etc, etc).

Mais um prova de que atitudes "cosméticas", especialmente em ano eleitoral, são muito mais frequentes que ações sociais consistentes.

Beijos, minha cara!

Anônimo disse...

Lembrando que "higienização" é um conceito do século passado aplicado em Londres e em toda a Europa. Como dizia uma professora que tive "o problema é que esqueceram que um dia as pessoas teriam que descer das favelas"
Da vergonha ver as disparidades sociais do país, nas favelas pode-se pisar nas cabesas dos prisioneiros, mas nada de algemas para os banqueiros!
Vai la Brasil!

Beijos gata
Ótimo texto
Tati