quarta-feira, 20 de agosto de 2008

“Quer dormir comigo?” ou “eu te amo!”?

Em um breve espaço de tempo, percebo em coisas que li e assisti que um assunto permeou todos eles. Sexo. Palavrinha pequena que parece ser a força centrípeta de todo o universo. Não apenas a procura por ele, mas por ele ser qualquer coisa que move qualquer coisa. Como se tudo na vida – relacionamento, carreira, família, amizade – fosse compreendido a partir dele e para ele. Será?

Não quero tratar de puritanismo, conservadorismo, mas será que isso é a modernidade ou somos nós mesmos que antes éramos dissimulados e hoje tratamo-lo com maior facilidade? Aprecio a idéia da liberdade, da escolha, do livre-arbítrio, mas não me apetece a questão simplesmente instintiva de animais que somos. Senão, o que há acima de nossos pescoços poderia ser ainda menor...

Esses pensamentos se iniciaram após assistir o filme de Murilo Salles, Nome próprio, premiado nesta segunda-feira no Festival de Gramado com melhor filme e melhor atriz. Leandra Leal sim, mas o filme?! (na minha débil opinião, um longa banal, fraco, sem conteúdo). Não sou gabaritada para criticá-lo, mas tantas cenas de sexo fizeram-me crer que esta era uma das saídas, senão única, que a protagonista buscou para suas aflições. Ok... Cada um com suas válvulas de escape, mas algo de ruim me tomou após 120 min sentada em uma poltrona.

A falta de sentimento e de envolvimento me entristece. Por um lado, as pessoas são mais acessíveis; por outro, são autoproclamadas solteirões ou solteironas ou sozinhos por convicção. A acessibilidade de que falo é aquela de uma ligação de madrugada, de um convite para se dormir junto. O solteirão e a solteirona ou os sozinhos por convicção são aqueles que se divertem, estão abertos a conhecer outras pessoas, mas sempre impondo limites a si mesmos e a quem se aproxima.

É como aqueles carros que possuem GPS. Se você está acima da velocidade, ele apita para avisar que há radar mais à frente. Ou seja, algo nas pessoas alerta para “opa, cuidado, ali você pode se apaixonar, ali você pode se machucar”. E qual o problema nisso? Quer dizer, agora não sei mais o que pensar... Enquanto me apaixono como Vinicius de Moraes, me pego pensando em uma bela música de Dorival Caymmi*. Dói muito um coração partido. Quem nunca chorou dias e noites intermináveis, emagreceu porque a dor bastava como alimento, achou que não sobreviveria numa via de mão única?!

Eu mesma tenho minhas opiniões e eu mesma me desmorono com elas. Mas, ainda assim e apesar de tudo, não acredito que se seja feliz somente com conhecimento, cultura, erudição, dinheiro, bens materiais, viagens. As pessoas e a vida, mesmo com suas maldades e ilusões*, nos causam sensações tão indescritíveis que talvez eu não soubesse viver sem elas.

Após meses e anos, são tão boas as lembranças que se tem de um “eu te amo”, de um sorriso à sua espera num aeroporto, de uma amizade que ficou após o fim de uma história. Sofrimentos e quedas existem, machucam, mas a vontade de viver algo semelhante de novo é tão forte que parece se esquecer das mazelas que vêm de brinde, ou pelo menos elas preponderam. Mas não há nada que seja de todo ruim, felizmente, ou de todo bom, infelizmente. E tudo na vida é assim. Por que não viver?

*O próprio Dori vira o jogo no final de sua música:

Saudade da Bahia

Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia
Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia
‘Bem, não vá deixar a sua mãe aflita
A gente faz o que o coração dita
Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão’
Ai, se eu escutasse hoje não sofria
Ai, esta saudade dentro do meu peito
Ai, se ter saudade é ter algum defeito
Eu pelo menos mereço o direito
De ter alguém com quem eu possa me confessar
Ponha-se no meu lugar
E veja como sofre um homem infeliz
Que teve que desabafar
Dizendo a todo mundo o que ninguém diz
Vejam que situação
E vejam como sofre um pobre coração
Pobre de quem acredita
Na glória e no dinheiro para ser feliz
(Dorival Caymmi)

6 comentários:

Elaine Pivoto disse...

Querida Ana, sobre este texto magnífico sobre estas ambíguas situações que se interpelam numa relação hetero, operam circunstâncias desencontrados do objeto capitalista pronunciado ao final da letra de Caymmi (q vá em paz, c/mta gratidão). Ser solteiro ou ser amado solteiro ou ser incondicionalmente livre para se doar ao homem que vc deseja, isto são virtudes. Sendo humanos, a aceitação do lado instintivo presente do ato, estudado nas psicanálises e nas psicoterapias de casais, possui a plenitude do lado incondicional e maduro - assim tb educado por nossos critérios entre dizer "sim/não" (então, nem tanto incondicional...) Sinta o seu corpo, vibre com ele e terás no mistério do tempo adquiridido a linha tênue entre a "virtude" e a "vulgaridade" do instinto. Sexo é pulsão de vida, qdo vivido como fonte de saúde. Luiz Fernando Veríssimo escreveu em uma de suas crônicas que a única coisa que substitui o sexo na profilaxia contra o câncer é o brócolis puxado no azeite com alho. Eu diria que o melhor mesmo é um bom vinho tinto para aguçar o paladar, nada de alho, o casal certo e o sexo: de conchinha, na madrugada, de manhazinha. Isto tudo é poesia. Beijos!

Ana Rita Gondim disse...

Magnífico foi o que escreveu ao final, Elaine! Acho que é o desejo de todas nós... Eu apenas discorri uma agonia de ver tão simplificada a intimidade. :) Obrigada e um grande beijo!

Anônimo disse...

Só para provocar: Vinicius dizia "eu te amo" para todas as mulheres que passavam na sua frente e quer saber?, duvido muito que tenha amado qualquer uma delas, embora tenha se casado com várias e convivido com outras tantas. Ele iria gostar de hoje, quando as pessoas, a pretexto de se preservarem, recusam a intimidade, concentram-se em sexo e em esbarrões quase aleatórios. Não é triste, é fato. Mas pode ser que doa, admito, porque o contrário é sempre um vazio, uma ausência, até uma ausência de si, como se de repente o sujeito (ou sujeita) virasse um fantasma, sombra de si. Mas que digo? você disse melhor: "Eu mesma tenho minhas opiniões e eu mesma me desmorono com elas". Buena sorte para nosotros.

Elaine Pivoto disse...

De um esbarrão aleatório surgem coisas lindas,percebendo-se o muito do bom já vivido e ainda vivo. E sobre intimidades: construída, de fato. Intimidade é tão bom... Voltei aqui pq achei que teria um outro comentário e num é que tem mesmo. Inevitável.

Cláudia disse...

O sorriso sempre estampado no rosto dos mestres iluminados, dizem alguns, é a prova viva de que sexo está, antes de tudo, na cabeça de quem nele pensa... e, para alguns poucos, ele repousa impávido no mental, já sem saudades alguma das bandas mais ao sul dos trópicos da linha do umbigo ;))

Elaine Pivoto disse...

Inevitável...rs...Mto inevitável...